E quando lhe dá a
escolher continuar a viver na felicidade, na ilusão, no conforto, na satisfação
e no prazer de Matrix, ou perder tudo isso, mas descobrir a Verdade sobre o “outro
mundo”, que ele sabe ser um deserto (a Terra era árida e desolada, governada
por máquinas no ano 2192), Neo escolhe a pílula
vermelha. Como diz Frost no seu poema: “Escolhi o caminho menos percorrido. E isso fez toda a diferença.”
Escolheu como
Descartes, conhecer a Verdade, “o Deserto do Real”.
Mas porque é o Real
um deserto? Justamente pelas razões referidas acima: sair do ilusório mundo dos
sentidos onde tudo é agradável e cómodo e, onde, apesar da dor, do sofrimento e
da morte, se vive a ilusão dos sentidos e de que se pode construir algo de bom
e belo é, de facto, um deserto.
A realidade do
desapego a tudo isso, do desprendimento deste mundo interiormente solitário e
da entrega a um outro, desconhecido, de que apenas se intui nele residir a
Verdade, representa um verdadeiro deserto para quem está na Matrix, ou seja,
para a actual humanidade perdida na ignorância e na descrença, crendo viver na
Realidade.
O Nada, “o deserto
interior”… Relembremos aqui o desapego e desprendimento em que culmina a
iniciação do adepto Rosacruz ou de Descartes, as suas meditações e reflexões,
os anos que passou longe do “ruído” do mundo, no “seu deserto”, ao qual tanto
desejava regressar durante a sua trágica estadia na Suécia.
Na cena em que vai a
caminho de casa do Oráculo, ao passar por um restaurante, Neo exclama
subitamente: “meu Deus, eu costumava
comer ali um spaghetti muito bom”. E pensa: “tenho essas lembranças da vida… nada disso aconteceu…”
Este episódio induz
a questionar como é que o Real se distingue do mundo virtual. Aqui entra por
sua vez, a noção de espaço: no virtual ele não existe salvo nas mentes. Mas
existe o ciberespaço. E será este real? A espacialização do real foi rejeitada
por alguns filósofos, como Platão, para quem os algarismos e as Ideias, por
serem eternas e imutáveis e sendo origem do nosso mundo material e do nosso
conhecimento dele, são mais reais do que os objectos localizáveis no espaço.
Também Kant considera, que o espaço não é uma coisa em si, mas depende de como
se intui o mundo.
[AZEVEDO, 2015: 473-474]
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
AZEVEDO, Teresa Mira
de. A
vida misteriosa de René Descartes. Lisboa: Chiado Editora, 2015, pp.
556. ISBN 978-989-51-5952-9
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