«– Gosta de jardinagem? Eis um belo começo, a alquimia é parecida com a
jardinagem.
– Gosta de pesca? A alquimia tem qualquer coisa de comum
com a pesca.
Trabalho
de mulher e brincadeira de criança.»
Louis PAUWELS &
Jacques BERGIER (2008: 105-106)
O Nigredo
– a confusão
dos elementos que surge no fim da liquefacção – é também o 1º meio
demonstrativo, a Cabeça do Corvo, que marca o princípio da primeira negridão,
a corrupção
ou putrefacção (que dispõe para a geração).
Corresponde, ainda à primeira
digestão (que é feita com CALOR BRANCO) – o congresso do macho e da fêmea,
a
mistura das matérias seminais, a dissolução do corpo e a
resolução dos elementos em Água homogénea (o Caos tenebroso, o
Tenebroso abismo).
José Manuel ANES (2010: 99)
Lima de Freitas © O Farol de Saturno (Acrílico sobre tela,1986)
Esta viagem começa a «Ocidente»,
pois esta palavra designa, em linguagem alquímica, a nigredo ou «a obra ao negro», que é a primeira fase do trabalho de
transmutação: Ocidente, explica-nos Dom Pernéty, é o nome que «alguns químicos
deram à matéria da obra em putrefacção. É a dissolução do sol hermético, chamamos-lhe
ocidente porque este sol perde então
o brilho, como o sol celeste nos priva da sua luz quando se deita». A «putrefacção»
e a «dissolução» do «sol hermético» ocorrem assim nas águas negras do mundo de
baixo, mas esta água amarga e salgada, este «Mar tenebroso» que se trata de
atravessar é também o homem ele mesmo, no seu vazio abissal, sucessivamente
purgatório e inferno, obscuro e inconsciente, profundidade temível onde sente
chamaram-no as vozes indistintas do passado e dos seus «outros» larvares,
engolidos, não manifestados ou não absolvidos, familiares e estranhos, como
Jonas os entendeu no ventre da Baleia.
A barca enfim (como a
baleia de Jonas era o seu inconsciente, como o «Mar tenebroso» era a sua
substância abissal) revela-se ser ainda o homem ele próprio, desta vez enquanto
corpo; corpo feito de água deste mesmo mar salgado, sal deste sal, cristalizado
durante alguns instantes à superfície da noite líquida, como a imagem da face
de Deus, antes de se dissolver: corpo-nau, navio e vaso, matéria maternal, que
alimenta, feminina, que contém, abrigando-a e sustendo-a, a língua de fogo
coagulada por cima do solve universal,
como a arca susteve Noé e todas as sementes da vida futura acima do dilúvio.
E nós vemos
presentemente esta chama, esta presença divina ou este «Espírito Santo»
flutuando sobre as vagas do oceano cósmico e deslizando em direcção à aurora consurgens; do mesmo modo, aquele
que repete iniciaticamente o percurso solar sobre as vagas diluvianas verá
despontar a «Oriente» as claridades puras do albedo. «Quando a cor branca se
manifesta após o negrume da matéria putrefacta, diz o dicionário de Dom Pernéty,
chama-se-lhe Oriente porque parece então
que o Sol hermético sai das trevas da noite». A viagem iniciática começa,
assim, «entre uma luz inicial e uma luz reencontrada, entre o Oriente primeiro,
paraíso sempre perdido, e o Oriente segundo, definitiva cidade do sol», sendo o
percurso nocturno a prova, a errância, a demanda, a História, pois segundo a
profunda observação de Hegel, pertinentemente retomada por Jean-François
Marquer, toda a história é por si mesma «ocidental».
Na riqueza
extraordinária dos mitos e dos símbolos do mar e da navegação, encontrámos
portanto, um fio condutor de natureza iniciática que orienta a nossa pesquisa e
desde já confere um sentido a bastantes lendas e aspectos tradicionais
aparentemente desprovidos de conexão. Resumamos então: a morte do homem é
assimilável à «morte» do sol; o seu lugar é o «Ocidente», ela pode ser
concebida como uma dissolução ou uma partida no oceano primordial; o mundo
inferior ou infernal apresenta-se como um percurso a vencer, uma navegação
perigosa, uma peregrinação da alma,
e completar este itinerário equivale, em consequência, a uma prova iniciática, a
uma descida aos infernos e a uma purificação através de provas sucessivas; a
aurora anuncia a «ressurreição» do deus sol e prefigura a fusão da alma do
defunto na luz divina ou, no plano «técnico» do hermetismo, a obtenção da «pedra
branca» que precede a entrada em Heliópolis, a cidade solar.
Lima de FREITAS (2006: 189-192)
Pedro Cuiça © Quinta da Regaleira (Sintra, 2016)
Referências bibliográficas
ANES, José Manuel. A
Alquimia – Os alquimistas contemporâneos e as Novas Espiritualidades.
Lisboa: Ésquilo, 2010, pp. 320. ISBN 978-989-8092-71-7
FREITAS, Lima de. Porto
do Graal – A riqueza ocultada da tradição mítico-espiritual portuguesa.
Lisboa: Ésquilo, 2006, pp. 352. ISBN 972-8605-72-2
PAUWELS, Louis &
BERGIER, Jacques. O Despertar dos Mágicos. Lisboa: Bertrand Editora, 2008 pp.
512. ISBN 978-972-25-1753-9
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