É bastante interessante constatar as notórias insuficiências
no tocante à explicitação dos conceitos éticos subjacentes a uma manifesta desconsideração
face à posterioridade no que concerne à destruição do ambiente (melhor será
dizer “da Natureza”). Quase tão curioso quanto a dificuldade de definir o
conceito de gerações futuras no âmbito da ética ambiental! De facto, o estatuto
ontológico e epistemológico das pessoas futuras suscita muitíssimas questões e
outras tantas dúvidas…
Afinal qual será a abrangência da consideração do “homem
ocidental” (pós ou ultramoderno) pelos seus descendentes? As argumentações são
tão diversas quanto propositada ou limitadamente confusas... Para uns a contingência
das pessoas futuras exclui as mesmas de consideração moral, para outros a
incapacidade de a posterioridade reivindicar direitos faz com que estes não
existam (ou não sejam reconhecidos?). Numa lógica utilitarista chega-se a
questionar qual a consideração por pessoas futuras cujos gostos e necessidades
serão meras especulações face à impossibilidade de estes serem conhecidos. As
alusões a melhorias das condições de um futuro mais ou menos remoto ou a
eventuais efeitos perniciosos associados a pretensas “boas intenções” não
passam de outras formas de não ver (ou não querer ver) aquilo que deveria ser
evidente. O que está em causa é inverter a lógica de exploração, de saque e de destruição
cujo legado é indubitavelmente negativo. E se dúvidas houvesse bastaria olhar
em redor e constatar o “ordenhamento do território”, a perda de biodiversidade
(estamos em plena sexta extinção em massa!) ou o aquecimento global que recebemos
de herança.
Na verdade, no que concerne às gerações futuras, parece-nos
que os argumentários éticos aludidos acima, tal como outros que pretendam ao
fim ao cabo justificar o injustificável, poderão ser sintetizados em expressões
grosseiras do género: “quem vier a seguir que feche a porta”! Por estas e por outras
é que se torna importantíssimo dar uma atenção cuidada à linguagem utilizada,
sendo que não nos referimos propriamente às diferenças entre um discurso supostamente erudito face a abordagens mais vulgares. A que palavra(s)
deveremos recorrer para adjectivar o comportamento/pensamento do “homem branco”
(!) face à posterioridade? “Selvagem” não será certamente (ou será?), ainda
para mais quando aqueles que normalmente são brindados com esse epíteto (de
forma pejorativa!) apresentam um comportamento manifestamente mais “civilizado”…
Ora aqui está um excelente exemplo da baralhação a que me referia.
As responsabilidades morais dos povos indígenas
(constituídos por indivíduos genealogicamente integrados) estende-se sem
quaisquer dúvidas ou hesitações para lá do presente, incluindo as gerações
passadas e futuras. A injunção de agir sempre de modo a proteger a sétima
geração é um exemplo particularmente convincente disto (JAMIESON et al., 2005: 23). O líder espiritual
Onondaga, Oren Lyons, observa que o primeiro encargo dos chefes tradicionais iroqueses (ou Haudenosaunee) é assegurar precisamente que o seu processo de tomada de decisões
seja guiado pela consideração da prosperidade e bem-estar da sétima geração
vindoura (ibidem). E o princípio da
sétima geração aplica-se igualmente aos antepassados: um povo ao honrar os seus
ancestrais fá-lo enquanto membro da sétima geração que estes mantiveram sempre
no primeiro plano das suas decisões e por quem se sacrificaram.
Ó Pedro Cuiça (Algarve)
«Dizemos que
os rostos das gerações vindouras estão a olhar-nos de debaixo da terra.
Portanto, quando pousares os pés no chão, pousa-os muito cuidadosamente –
porque são gerações a suceder-se uma após a outra. Se pensares nestes termos,
então caminharás muito mais cuidadosamente, serás mais respeitador desta terra.»
(Lyons, 1995 in JAMIESON et al., 2005)
Referência
bibliográfica
Dale JAMIESON et
al. – Manual de Filosofia do Ambiente;
Lisboa: Instituto Piaget, 2005, pp. 528.
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