quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A sétima geração


É bastante interessante constatar as notórias insuficiências no tocante à explicitação dos conceitos éticos subjacentes a uma manifesta desconsideração face à posterioridade no que concerne à destruição do ambiente (melhor será dizer “da Natureza”). Quase tão curioso quanto a dificuldade de definir o conceito de gerações futuras no âmbito da ética ambiental! De facto, o estatuto ontológico e epistemológico das pessoas futuras suscita muitíssimas questões e outras tantas dúvidas…
Afinal qual será a abrangência da consideração do “homem ocidental” (pós ou ultramoderno) pelos seus descendentes? As argumentações são tão diversas quanto propositada ou limitadamente confusas... Para uns a contingência das pessoas futuras exclui as mesmas de consideração moral, para outros a incapacidade de a posterioridade reivindicar direitos faz com que estes não existam (ou não sejam reconhecidos?). Numa lógica utilitarista chega-se a questionar qual a consideração por pessoas futuras cujos gostos e necessidades serão meras especulações face à impossibilidade de estes serem conhecidos. As alusões a melhorias das condições de um futuro mais ou menos remoto ou a eventuais efeitos perniciosos associados a pretensas “boas intenções” não passam de outras formas de não ver (ou não querer ver) aquilo que deveria ser evidente. O que está em causa é inverter a lógica de exploração, de saque e de destruição cujo legado é indubitavelmente negativo. E se dúvidas houvesse bastaria olhar em redor e constatar o “ordenhamento do território”, a perda de biodiversidade (estamos em plena sexta extinção em massa!) ou o aquecimento global que recebemos de herança.
Na verdade, no que concerne às gerações futuras, parece-nos que os argumentários éticos aludidos acima, tal como outros que pretendam ao fim ao cabo justificar o injustificável, poderão ser sintetizados em expressões grosseiras do género: “quem vier a seguir que feche a porta”! Por estas e por outras é que se torna importantíssimo dar uma atenção cuidada à linguagem utilizada, sendo que não nos referimos propriamente às diferenças entre um discurso supostamente erudito face a abordagens mais vulgares. A que palavra(s) deveremos recorrer para adjectivar o comportamento/pensamento do “homem branco” (!) face à posterioridade? “Selvagem” não será certamente (ou será?), ainda para mais quando aqueles que normalmente são brindados com esse epíteto (de forma pejorativa!) apresentam um comportamento manifestamente mais “civilizado”… Ora aqui está um excelente exemplo da baralhação a que me referia.
As responsabilidades morais dos povos indígenas (constituídos por indivíduos genealogicamente integrados) estende-se sem quaisquer dúvidas ou hesitações para lá do presente, incluindo as gerações passadas e futuras. A injunção de agir sempre de modo a proteger a sétima geração é um exemplo particularmente convincente disto (JAMIESON et al., 2005: 23). O líder espiritual Onondaga, Oren Lyons, observa que o primeiro encargo dos chefes tradicionais iroqueses (ou Haudenosaunee) é assegurar precisamente que o seu processo de tomada de decisões seja guiado pela consideração da prosperidade e bem-estar da sétima geração vindoura (ibidem). E o princípio da sétima geração aplica-se igualmente aos antepassados: um povo ao honrar os seus ancestrais fá-lo enquanto membro da sétima geração que estes mantiveram sempre no primeiro plano das suas decisões e por quem se sacrificaram.

Ó Pedro Cuiça (Algarve)

«Dizemos que os rostos das gerações vindouras estão a olhar-nos de debaixo da terra. Portanto, quando pousares os pés no chão, pousa-os muito cuidadosamente – porque são gerações a suceder-se uma após a outra. Se pensares nestes termos, então caminharás muito mais cuidadosamente, serás mais respeitador desta terra.» 
(Lyons, 1995 in JAMIESON et al., 2005)


Referência bibliográfica

Dale JAMIESON et al.Manual de Filosofia do Ambiente; Lisboa: Instituto Piaget, 2005, pp. 528.

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