Li no Verão passado, melhor seria dizer “devorei”, de uma assentada, Livre
– Uma história de autodescoberta, sobrevivência e coragem (Editorial
Presença, 2013). Foi uma longa caminhada galgada em dois intensos e empolgantes
dias de profícua bibliofagia. É certo que as caminhadas e as corridas diárias
junto ao mar e no interior algarvio seria justificação suficiente para me abrir
o apetite mas, na verdade, o “entusiasmo” deveu-se à surpreendente qualidade da
obra em causa. Livre não se trata de mais uma descrição de uma pretensa aventura
ou experiência pedestre num famoso percurso de longo curso ou, muito menos, de
mais um exemplo de “literatura light”
acerca dos atractivos de viajar… a pé!
Cheryl Strayed dá-nos a conhecer a sua problemática vida pessoal, sem
grandes rodeios ou efeitos de “dourador de pílula”, até à sua decisão de, aos 26
anos, deixar tudo para trás e empreender o PCT. Sim o mítico Pacific Crest
Trail, sozinha, sem experiência e com escassos recursos! Depois segue-se a
narrativa desse acto de libertação que consistiu em perfazer 1700 quilómetros a
pé desde o deserto de Mojave, ao longo da Califórnia e do Oregon, até ao estado
de Washington. Acto de libertação porque, mais do que uma longa viagem exploratória
ou de conquista exterior através de magníficas paisagens e ambientes selvagens,
essa narrativa revela-nos a intensa luta interior contra inúmeros medos e
variados obstáculos que ao serem transpostos se transmutaram numa autêntica descoberta
do self. Segundo Cheryl Strayed “a natureza selvagem possuía uma
clareza” que a incluía e foi essa clareza e inclusão que terão sido
determinantes nessa descoberta. Livre é também por isso um
agradecimento, uma forma de dizer miigwech (obrigado na língua ojibwe),
e uma poderosa mensagem ou incentivo, como queiram: continuar a andar…
Livre – Uma história de autodescoberta, sobrevivência e
coragem (Wild – A journey from Lost to Found no original) foi elaborado
mais de uma década depois dos acontecimentos, no entanto a escrita, apesar de
cuidada e amadurecida, não perdeu a intensidade ou o vigor. O filme estará aí a
chegar um dia destes e, claro, não irei perder a oportunidade de visualizar Livre,
sendo certo que essa transposição para o cinema não irá substituir a leitura da
obra… Não percam o livro.
“Tinha apenas que ver com a
maneira como nos sentimos na natureza selvagem, com o reconhecimento da
sensação de caminharmos ao longo de quilómetros sem nenhum outro propósito que
não seja testemunharmos a acumulação de árvores, campinas, montanhas e
desertos, ribeiros e rochas, rios e extensões de ervas, de nascentes e pores do
Sol. A experiência era poderosa e primordial. Naquele momento, tive a impressão
de que aquela sempre fora a sensação experimentada por um ser humano na
natureza selvagem, e, enquanto esta existisse, a nossa sensação seria sempre
essa.”
Cheryl Strayed
“Agora estamos nas montanhas
e elas estão em nós…”
John Muir
ADENDA (10/07/2014): E o filme está aí a chegar...
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