quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Livre

Li no Verão passado, melhor seria dizer “devorei”, de uma assentada, Livre – Uma história de autodescoberta, sobrevivência e coragem (Editorial Presença, 2013). Foi uma longa caminhada galgada em dois intensos e empolgantes dias de profícua bibliofagia. É certo que as caminhadas e as corridas diárias junto ao mar e no interior algarvio seria justificação suficiente para me abrir o apetite mas, na verdade, o “entusiasmo” deveu-se à surpreendente qualidade da obra em causa. Livre não se trata de mais uma descrição de uma pretensa aventura ou experiência pedestre num famoso percurso de longo curso ou, muito menos, de mais um exemplo de “literatura light” acerca dos atractivos de viajar… a pé!
Cheryl Strayed dá-nos a conhecer a sua problemática vida pessoal, sem grandes rodeios ou efeitos de “dourador de pílula”, até à sua decisão de, aos 26 anos, deixar tudo para trás e empreender o PCT. Sim o mítico Pacific Crest Trail, sozinha, sem experiência e com escassos recursos! Depois segue-se a narrativa desse acto de libertação que consistiu em perfazer 1700 quilómetros a pé desde o deserto de Mojave, ao longo da Califórnia e do Oregon, até ao estado de Washington. Acto de libertação porque, mais do que uma longa viagem exploratória ou de conquista exterior através de magníficas paisagens e ambientes selvagens, essa narrativa revela-nos a intensa luta interior contra inúmeros medos e variados obstáculos que ao serem transpostos se transmutaram numa autêntica descoberta do self. Segundo Cheryl Strayed “a natureza selvagem possuía uma clareza” que a incluía e foi essa clareza e inclusão que terão sido determinantes nessa descoberta. Livre é também por isso um agradecimento, uma forma de dizer miigwech (obrigado na língua ojibwe), e uma poderosa mensagem ou incentivo, como queiram: continuar a andar…
Livre – Uma história de autodescoberta, sobrevivência e coragem (Wild – A journey from Lost to Found no original) foi elaborado mais de uma década depois dos acontecimentos, no entanto a escrita, apesar de cuidada e amadurecida, não perdeu a intensidade ou o vigor. O filme estará aí a chegar um dia destes e, claro, não irei perder a oportunidade de visualizar Livre, sendo certo que essa transposição para o cinema não irá substituir a leitura da obra… Não percam o livro.

 “Tinha apenas que ver com a maneira como nos sentimos na natureza selvagem, com o reconhecimento da sensação de caminharmos ao longo de quilómetros sem nenhum outro propósito que não seja testemunharmos a acumulação de árvores, campinas, montanhas e desertos, ribeiros e rochas, rios e extensões de ervas, de nascentes e pores do Sol. A experiência era poderosa e primordial. Naquele momento, tive a impressão de que aquela sempre fora a sensação experimentada por um ser humano na natureza selvagem, e, enquanto esta existisse, a nossa sensação seria sempre essa.

Cheryl Strayed

Agora estamos nas montanhas
e elas estão em nós…

John Muir


ADENDA (10/07/2014): E o filme está aí a chegar...



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