CONFUSÕES DE AR LIVRE, PROBLEMAS DE AR CONDICIONADO (I)
Na sequência da morte, no dia 27 de Julho, do carregador paquistanês Muhammad Hassan, na parte
superior do K2, após ter permanecido vivo durante várias horas perante a indiferença
daqueles que por ele passaram para fazer cume ou já na sua descida, regressou o
coro de críticas àquilo que se tornou o “alpinismo” nas mais altas montanhas
himalaianas. Como se algo de (muito) extraordinário se tivesse passado no panorama
dos inúmeros mortos abandonados, em alta altitude, nas vertentes do Everest e
de outros oito mil, tal como das toneladas de detritos largados nessas montanhas,
que fazem com que certos campos de altitude se tenham transformado em lixeiras
(nas mais altas lixeiras do mundo) a céu aberto! Infortunadamente, nada de novo.
Basta(ria) lembrar-nos da tragédia de 1996 no Everest ou das diversas campanhas
de recolha de lixo nas vias normais do Everest, nos lados nepalês e chinês,
para constatar o que deveria ser evidente!... De entre as diversas intervenções
críticas ao agora (mais uma vez) sucedido, destacamos os comentários, "sem papas na língua", do amplamente conhecido alpinista espanhol Sebastián Álvaro, publicados online pela editorial
Desnivel: «Cómo llegaron a converterse en parques de atracciones las montañas más altas y bellas del Himalaya y el Karakórum? Cuando se jódio el himalaysmo?»
O fenómeno dos mortos e do lixo em altitude já mereceu diversas intervenções publicas da minha parte, em comunicações e textos diversos e, por isso, não tenho nada a acrescentar de concreto. Apenas lamentar o sucedido e manifestar o meu pesar à família e amigos do malogrado carregador.
Seria talvez oportuno e importante fazer uma análise crítica e uma reflexão aprofundada não só daquilo em que se transformou o himalaismo, mas também acerca da prática de alpinismo/montanhismo em geral e, já agora, da escalada clássica (e até da desportiva) nos mais diversos contextos e geografias, inclusivamente "à porta de casa"...
De resto, escrevi ontem o seguinte no Facebook:
«O problema não se circunscreve, de todo, à alta montanha. A massificação, a alienação e a banalização das actividades de ar livre generalizou-se. E não é apenas a "turistificação" que está em causa, é todo um conjunto de motivações e de formas de "viver", nomeadamente o (hiper)consumismo e o poder aquisitivo do "capital": pensar que tudo se traduz em dinheiro e tudo é vendível e comprável. O que está verdadeiramente em causa são questões de ética e de estética; são questões ontológicas e substanciais, do Ser (em detrimento do ter). Não é lícito, nestas (e noutras) matérias continuar a confundir "uma obra prima com a prima do mestre de obras".»
© Lakpa Sherpa/8K
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