domingo, 22 de fevereiro de 2015

...enCANTAR

Ó Danielle Barlow (2013)


If I didn't know that the calendars all say that Imbolc is on Sunday, I would have said it was today. I have worked outside all day today, and there was a definite change in the air, and I could feel the quickening in the soil beneath my feet and in the birds chittering all around me.
Danielle Barlow (21/02/2015)

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Pedras...


«Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia… e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.»
Fernando Pessoa

«O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.»
Fernando Pessoa

«Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…»
Fernando Pessoa

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«(…) Pedras a quem alguém deu uma certa forma,
Um certo olhar

Tomemos uma do chão, perdida
Podemos considerá-la domesticada
Essa pedra ontem foi livre
Hoje é da calçada»
Xutos & Pontapés – O Sangue da Cidade

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

D'a pedra...



Ó Vanda Rita - Sagres (Algarve - Portugal)

«Assim, seremos levados a crer que entre nós, e desde a nossa época mais recuada, primeva, ainda como agregado específico de povos e não já como Nação, foi o mito cosmogónico, este como hierogamia da Terra e do Céu, que serviu de modelo a nossas principais e mais singulares criações.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:11)
«É daqui [Sagres-S. Vicente] que, predestinadamente, partirão os caminhos para o Centro, ou realização da totalidade ou reintegração, numa procura que tomará o nome de demanda.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:16)
«…A especificidade da nossa saudade se ligará, através do nosso tempo, à especificidade da nossa concepção telúrica, mística e existencial vinda da religião arcaica da Deusa-Mãe. Nesta primeva concepção, teria sido prometido ao homem, no seu culto e crença, uma imortalidade fazendo-se no círculo inconsútil de reencarnações sucessivas terrestres, num eterno retorno, de cadeia fechada no limite da terra. Foi esse limite que, na nossa poesia e escatologia, seria quebrado por Camões, Frei Agostinho da Cruz e Pascoais, e o círculo aberto à transcendência: pelo amor celeste da mulher, “alma gentil”, pela Senhora da Assunção, na Arrábida, ou pela Senhora da Saudade, no Marão: o homem e a terra ascendendo ao céu.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:17)
«[Promunturium Sacrum] Sobre esta sacralização, lembremos que desde o mais fundo do passado pré-histórico, a pedra foi, pela sua persistência, dureza, imobilidade, através ou apesar da passagem do tempo, e pela sua enorme presença de força, utilizada como substracto da alma do morto – que ela, simultaneamente guardava e em si concentrava. Será essa a finalidade dos monumentos megalíticos funerários, tanto no passado, como ainda em certos povos actuais ditos primitivos. Daí o sentido dos dólmenes e menires pré-históricos, como representação da Grande-Mãe e do Grande Pai. E também do costume, ainda actual na Índia ou na Europa, dos amontoados de pedras para comemorar em certo local um morto; amontoados aos quais cada viandante junta outra pedra para repouso da alma do morto. Em Portugal, estes amontoados se chamam Fiéis de Deus. A pedra, como forma de fixar e proteger o morto contra a dissolução da morte, será ela que agirá nessas pedras representando deuses, heróis civilizadores ou fundadores, como os consagrados especialmente em Sagres, segundo a tradição: Saturno, Hércules e Tubal, o deus da primeira idade, o herói que livrou a humanidade dos monstros, e o fundador duma comunidade de homens portugueses. As “pedras são o espírito petrificado dos antepassados” segundo Leenhardt. Seria a presença destes deuses antepassados e heróis, aos quais os visitantes de Sagres rendiam outrora culto, nesse gesto ritual de voltarem pedras, depois de sobre elas terem efectuado uma libação lustral.
E foi ainda essa mesma persistência de culto aos mortos e sua presença viva, nesse espaço extremo da terra, como abertura aos infernos, que Leite de Vasconcelos encontrou na tradição oral. Viu ainda vários montículos de pedras, moledros; e do povo ouviu: quando daí se leva uma pedra, colocando-a noutro sítio, na manhã seguinte ela não está nesse sítio em que se deixou, pois D. Sebastião a repôs de noite no moledro.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:45-46)

PEREIRA DA COSTA, Dalila (1984): Da Serpente à Imaculada. Porto: Lello & Irmãos – Editores, pp. 356.

Ó Pedro Cuiça - Grand Canyon (Arizona - USA)

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A natureza fala

Ó Pedro Cuiça - Grand Canyon (Arizona - USA)

«(…) entre muitas tribos que em tempos foram indígenas da América do Norte, um rapaz só podia adquirir a compreensão necessária para entrar na sociedade dos homens adultos empreendendo uma demanda solitária de uma visão – só tornando-se vulnerável às forças selvagens da terra e, se necessário, implorando uma visão a essas forças. A “Deambulação” iniciática empreendida pelos aborígenes australianos é, uma vez mais, apenas um mais-do-que-humano em busca de ensinamentos que devem vitalizar e sustentar a comunidade humana.
Nas culturas indígenas orais, a própria natureza é articulada; a natureza fala. A voz humana numa cultura oral compartilha sempre, em alguma medida, as vozes dos lobos, do vento, das ondas – ou seja, compartilha o discurso envolvente de uma terra animada. Não há qualquer elemento da paisagem que seja definitivamente desprovido de ressonância e força expressiva: qualquer movimento pode ser um gesto, qualquer som pode ser uma voz, um enunciado com sentido.»

David ABRAM: A Magia do Sensível – Percepção e Linguagem num mundo mais do que humano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p.120

Ó Pedro Cuiça - Grand Canyon (Arizona - USA)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Vês esta rocha?


«Esses trilhos sinuosos, ou trilhos dos Sonhos, são fenómenos auditivos, tanto como visíveis e tácteis, porque os Antepassados estavam a cantar os nomes das coisas e dos lugares criando a terra à medida que deambulavam por ela. De facto, cada trilho dos Antepassados é uma espécie de partitura musical que serpenteia através do continente, a partitura de uma vasta canção épica cujos versos contam as muitas aventuras do Antepassado, o modo como os vários sítios ao longo do seu caminho vieram nascer (e por isso, indirectamente, que plantas, nascentes de água ou rochas protectoras se podem encontrar nesses sítios). A distância entre dois sítios significativos ao longo do trilho do Antepassado pode ser medida, ou pode falar-se dela, como um trecho de canção, porque a canção desdobra-se numa cadeia ininterrupta de estrofes de um lado ao outro da terra, uma estrofe “para cada par de pegadas do Antepassado”. A canção é, portanto, uma espécie de mapa de estradas auditivo através da região; para percorrer o caminho que deseja através da terra, um aborígene apenas tem de cantar as estrofes locais do Sonho apropriado, a canção do Antepassado apropriado.
O continente australiano é cruzado por dezenas de sinuosas “linhas do canto” [songlines] ou “caminhos que atravessam”, de que a maior parte passa através de múltiplas áreas tribais. Um determinado canto pode assim cantar o seu caminho através de vinte ou mais línguas diferentes antes de alcançar o local onde o Antepassado “reentrou”. (…) O conhecimento de partes distantes do ciclo de um canto – embora na própria língua da pessoa – dá aparentemente a essa pessoa a capacidade de experienciar vividamente certas áreas da terra mesmo antes de ter visitado realmente esses lugares. Ensaiando juntos um longo trecho do ciclo de um canto, enquanto se sentam à noite em volta da fogueira do acampamento, os aborígenes sentem-se aparentemente jornadeando através da terra na sua imaginação colectiva – de modo muito idêntico ao do homem apache que, “dizendo nomes” de si para si, está “a cavalgar em espírito”.
Cada Antepassado, enquanto cantava o seu caminho através da terra durante o Tempo dos Sonhos, também depositou um rasto de “filhos espíritos” ao longo da linha das suas pegadas. Estas “células de vida” são filhos ainda não nascidos: estão numa espécie de estado potencial dentro do solo, à espera. Enquanto a relação sexual entre uma mulher e um homem é considerada, pelos aborígenes tradicionais, como preparando a mulher para a concepção, assume-se que a concepção efectiva ocorre muito mais tarde, quando a mulher já grávida anda por fora na sua tarefa quotidiana de colher raízes e vermes comestíveis e acontece que passa por cima (ou por perto) de uma estrofe do canto. O “filho espírito” que jaz por baixo do solo nesse local esgueira-se para dentro dela, e fecunda o feto com o canto”. Onde quer que a mulher se encontre quando sente os primeiros movimentos do feto – o primeiro pontapé dentro do seu ventre – sabe que um filho espírito acaba de entrar no seu corpo vindo da terra. E assim anota o lugar exacto em que ocorreram os primeiros movimentos e relata esse facto aos anciãos da tribo. Os anciãos examinam então a terra nesse local, discernindo qual o canto dos Antepassados que esteve envolvido e quais serão, precisamente, as estrofes do canto desse Antepassado que pertencerão à criança.
Desta maneira, cada aborígene herda, ao nascer, um trecho particular do canto como sua propriedade privada, um trecho do canto que é, por assim dizer, o seu título de direito a um pedaço de terra, ao seu local de concepção. Esta terra é a parte do Sonho de que provém a sua vida – é aquele lugar da terra a que ela pertence, e a sua essência, o seu eu mais profundo, é indiscernível desse terreno:

Nyunnyamanu:
local de sonho do dingo [cão selvagem]
país de Paddy Anatari.

O velho de olhos piscos por entre as rugas
arrastado para um sorriso na terra vasta e vermelha.
Fez de criança; caminhou cada pegada na sua areia.

“Vês aquela rocha ali?”
(O topo tinha sido polido e era
plano e macio, como se tivesse sido cortado por diamante, mas
foi feito por outra rocha
encaixada em centenas de mãos:
alarga o local para o nascimento do filhote do dingo)
e
Paddy Anatari bate outra vez na rocha

E outra vez. Diz:
Vês esta rocha?

Esta rocha sou eu!”»

David ABRAM: A Magia do Sensível – Percepção e Linguagem num mundo mais do que humano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p. 170-172

Ó Pedro Cuiça - Grand Canyon (Arizona - USA)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A sétima geração (II)

A atenção plena ao presente – ao aqui e agora – não é motivo para ignorar o passado e/ou o futuro, bem pelo contrário... Menos ainda para olvidar o legado dos antepassados ou o "rosto das gerações futuras". Neste contexto, as decisões guiadas pela consideração às suas possíveis consequências até à sétima geração consubstanciam uma atitude de grande abrangência ECO-lógica.


Wilma Mankiller (1945-2010) foi a primeira mulher Chefe da Nação Cherokee; autora de Mankiller: A Chief and Her People (1999) e co-autora de Every Day is a Good Day: Reflections by Contemporany Indigenous Women (2004).

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Mistério...

«Gostaria de convidar todas as pessoas a vadiarem pelo mistério.»
Agostinho da Silva


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Enjoy yourSELFS


«Then in the silence of night I heard the soundless voice of that Spirit of Eternal Things: that Mystery, impenetrable as the dark, impalpable: revealing itself as one with the shapes it took and one with the impulse they obeyed; in the grass blade and the leaf, and in the wind to which they swayed; in the ponderous earth that, darkling, rolls through space, and in the subtle mind that holds this earth in fee. The vast and the far-off were embraced in the vision, for from the remotest star came rays that united me with it. The minute and the trivial were summoned from their hiding to prove themselves near and akin. Magnitude and proportion were swallowed up in unity; number and computation disappeared in a stupendous integer. Not a leaf shook, not a bud burst, but was moved to motion and to life by forces infinite and remote, ante-dating sun or star, one with sun and star, older than the Milky Way, vaster than the limits of vision.»

Arnold HAULTAIN (1914): Of Walks and Walking Tours – An Attempt to find a Philosophy and a Creed; London: T. Werner Laurie Ltd., pp. 85-86

Ó Cláudia Krasmann - Rocha da Pena (Portugal)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Ir aos gambozinos?

Porque por estas noites está (quasi) Lua Cheia e nesta altura se celebra uma das oito festividades da roda do ano, esta trata-se indubitavelmente de uma ocasião especial para efectuar caminhadas nocturnas em plena natureza… A festividade que para os celtas marcaria o início da Primavera, é também designada “Imbolc”, “Imbolg” ou “Oilmec” nos meios neopagãos portugueses (!), e estaria associada à deusa Brighid. A sua apropriação pelo cristianismo terá dado origem ao dia de Sta. Brígida e à festa das Candelárias. A diversa simbologia (luz, gravidez, leite, lua, etc.) associada a estas comemorações ancestrais, que remontarão a tempos neolíticos, remetem para a fertilidade e, por isso, para a Deusa-Mãe, mas o que motiva a escrita deste post não se centra propriamente na análise de crenças agro-pastoris (nem as festividades referidas são as únicas ou tão simples quanto grosseiramente esbocei). Análise para a qual não estou, aliás, devidamente habilitado…
O que me inspirou esta “postagem” foi o facto de não só nos encontrarmos numa altura auspiciosa para andar à noite no seio da natureza mas sobretudo a constatação de que as caminhadas nocturnas em Sintra se tornaram uma moda, que as temáticas das mesmas são regra geral curiosas (pitorescas ou picarescas?) e que estão a originar algum mal-estar em certos meios esotéricos ou ocultistas da nossa praça!
As deambulações noctívagas em Sintra não constituem um fenómeno recente tendo em conta que, desde há décadas, diversas pessoas (entre as quais me incluo) têm tido por hábito usufruir, a horas tardias, os encantos dessa Montanha Sagrada que já foi (e ainda é) designada “Serra da Lua”. Por outro lado, para que não se gere qualquer mal-entendido, convém deixar claro que considero que o acto de caminhar em Sintra, seja de dia ou de noite, não é prerrogativa ou exclusivo seja de quem for.
A novidade no tocante a andanças nocturnas consiste na vulgarização e, se assim me poderei exprimir, nas roupagens fantásticas com que se pretende abrilhantar a “coisa”. Algumas iniciativas apresentam-se como simples caminhadas na vila de Sintra ou na região de Sintra, ou simplesmente sugerem que se “descubra Sintra à noite”, e outras assumem ainda um cariz filosófico ou debruçam-se sobre “geo fenómenos”… à noite (andarão a medir o geomagnetismo terrestre?)! Mas os passeios que estão a causar alguma celeuma abordam temáticas algo diferentes: discos voadores, assombrações, fantasmas, histórias de outro mundo, magia e/ou feitiçaria… Outros empreendedores exploram a “atracção” do Hallowen (designadamente “pelas Antas da Serra de Sintra”!) ou as sextas-feiras 13 (com ou sem “apontamentos místicos e culturais”!).
Da minha parte, já pouca coisa me espanta e no que concerne às andanças em questão menos ainda me perturbam ou sequer incomodam. Na verdade, até acho alguma “graça” a estas iniciativas… Quando tinha 12 anos participei, numa noite em que estava acampado na Serra de Monchique, numa caçada aos gambozinos* nos quais, desde logo, não acreditei e posteriormente não voltaram a apanhar-me em “filmes” do género. Essa noite foi, contudo, memorável: não pelos ausentes “gambúzios” mas porque no intenso desafio em que estava envolvido, em plena escuridão, dei por mim a rastejar sobre uma vaca (ou boi?). Facto de que dei conta somente quando a dita (ou o dito) se terá sentido importunada(o) e se moveu… Creio que não será necessário referir que apanhei um susto dos grandes e que, mesmo sem luz, corri o que pude! As intensas experiências nocturnas, sem luz artificial, têm-se repetido sob variados moldes e por diversas vezes ao longo dos quase 35 anos que empreendo actividades de ar livre, e conheço bastante bem o que é a escuridão total das zonas afóticas das grutas. Digo isto apenas para fechar o círculo sobre o assunto deste post: esta é (mais uma vez) uma ocasião auspiciosa para caminhar sob o plenilúnio, para sentir o mistério nocturno… Uma oportunidade magnífica para experienciar velhos atavismos; vivenciar aquilo que Mircea Eliade designou por “ciência do concreto” ou “pensamento selvagem”.
E, já agora, no que concerne a lunários sou daqueles que não prescindem d’O Verdadeiro Almanaque :) O Borda d’Água reza que 1 de Fevereiro é dia de Sta. Brígida (mística!) e que a 2 de Fevereiro se comemora a Festa das Candelárias, Imbolc para os celtas. Garantido também é que estamos a meio caminho entre o Solstício de Inverno e o Equinócio da Primavera, e que a 3 de Fevereiro é noite de plenilúnio. Mais uma vez a lua!...

Ó Vanda Rita
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*Nota (2/Fev. 2015): As "figuras" lendárias que preenchem o imaginário algarvio não se resumem aos gambozinos, nem sequer são as mais interessantes. As sempre presentes mouras encantadas ou a esquecida Zorra Berradeira são, neste contexto, muitíssimo mais fascinantes. Esta última, que povoava o imaginário popular algarvio sob a forma de diversas lendas e superstições, pode ser visualizada numa pintura de Carlos Porfírio, da colecção “Lendas do Algarve”, que se encontra no Museu Municipal de Faro.