terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

D'a pedra...



Ó Vanda Rita - Sagres (Algarve - Portugal)

«Assim, seremos levados a crer que entre nós, e desde a nossa época mais recuada, primeva, ainda como agregado específico de povos e não já como Nação, foi o mito cosmogónico, este como hierogamia da Terra e do Céu, que serviu de modelo a nossas principais e mais singulares criações.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:11)
«É daqui [Sagres-S. Vicente] que, predestinadamente, partirão os caminhos para o Centro, ou realização da totalidade ou reintegração, numa procura que tomará o nome de demanda.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:16)
«…A especificidade da nossa saudade se ligará, através do nosso tempo, à especificidade da nossa concepção telúrica, mística e existencial vinda da religião arcaica da Deusa-Mãe. Nesta primeva concepção, teria sido prometido ao homem, no seu culto e crença, uma imortalidade fazendo-se no círculo inconsútil de reencarnações sucessivas terrestres, num eterno retorno, de cadeia fechada no limite da terra. Foi esse limite que, na nossa poesia e escatologia, seria quebrado por Camões, Frei Agostinho da Cruz e Pascoais, e o círculo aberto à transcendência: pelo amor celeste da mulher, “alma gentil”, pela Senhora da Assunção, na Arrábida, ou pela Senhora da Saudade, no Marão: o homem e a terra ascendendo ao céu.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:17)
«[Promunturium Sacrum] Sobre esta sacralização, lembremos que desde o mais fundo do passado pré-histórico, a pedra foi, pela sua persistência, dureza, imobilidade, através ou apesar da passagem do tempo, e pela sua enorme presença de força, utilizada como substracto da alma do morto – que ela, simultaneamente guardava e em si concentrava. Será essa a finalidade dos monumentos megalíticos funerários, tanto no passado, como ainda em certos povos actuais ditos primitivos. Daí o sentido dos dólmenes e menires pré-históricos, como representação da Grande-Mãe e do Grande Pai. E também do costume, ainda actual na Índia ou na Europa, dos amontoados de pedras para comemorar em certo local um morto; amontoados aos quais cada viandante junta outra pedra para repouso da alma do morto. Em Portugal, estes amontoados se chamam Fiéis de Deus. A pedra, como forma de fixar e proteger o morto contra a dissolução da morte, será ela que agirá nessas pedras representando deuses, heróis civilizadores ou fundadores, como os consagrados especialmente em Sagres, segundo a tradição: Saturno, Hércules e Tubal, o deus da primeira idade, o herói que livrou a humanidade dos monstros, e o fundador duma comunidade de homens portugueses. As “pedras são o espírito petrificado dos antepassados” segundo Leenhardt. Seria a presença destes deuses antepassados e heróis, aos quais os visitantes de Sagres rendiam outrora culto, nesse gesto ritual de voltarem pedras, depois de sobre elas terem efectuado uma libação lustral.
E foi ainda essa mesma persistência de culto aos mortos e sua presença viva, nesse espaço extremo da terra, como abertura aos infernos, que Leite de Vasconcelos encontrou na tradição oral. Viu ainda vários montículos de pedras, moledros; e do povo ouviu: quando daí se leva uma pedra, colocando-a noutro sítio, na manhã seguinte ela não está nesse sítio em que se deixou, pois D. Sebastião a repôs de noite no moledro.» (PEREIRA DA COSTA, 1984:45-46)

PEREIRA DA COSTA, Dalila (1984): Da Serpente à Imaculada. Porto: Lello & Irmãos – Editores, pp. 356.

Ó Pedro Cuiça - Grand Canyon (Arizona - USA)

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