REACÇÕES
AO RISCO*
No
tocante à gestão do risco é extremamente interessante, e a ter muito em conta
na prática de pedestrianismo, o conceito de “paranóia construtiva”, proposto
por Jared Diamond1:
«A
minha escolha desta expressão paradoxal, aparentemente desagradável, para uma
qualidade que admiro, é intencional. Empregamos habitualmente a palavra
“paranóia” com um sentido pejorativo, incluindo medos exagerados e infundados.
Foi isso que me pareceu quando pela primeira vez observei a reação dos nova-guineenses
quanto a dormir debaixo de uma árvore morta, e é verdade que, regra geral, uma
determinada árvore morta não vai cair naquela noite em que decidimos acampar
debaixo dela. No entanto, a longo prazo, esta aparentemente paranóia é
construtiva: é essencial para a sobrevivência segundo as condições
tradicionais. De entre tudo o que aprendi com os nova-guineenses, nada me
marcou tão profundamente como essa atitude. Está difundida por toda a Nova
Guiné e é descrita em muitas outras sociedades tradicionais do mundo. Se algo
comporta um perigo reduzido de cada vez que é feito, mas é levado a cabo com
frequência, torna-se necessário aprender a ser cuidadoso, se não queremos
acabar mortos ou incapacitados ainda novos.
(…)
Na única ocasião em que fiquei incapacitado, sem poder andar, nos Estados
Unidos (depois de escorregar num passeio molhado em Boston e partir um pé),
arrastei-me até à cabina telefónica mais próxima para telefonar ao médico do
meu pai, que me foi buscar e me levou ao hospital. No entanto, quando me magoei
no joelho no interior da ilha Bougainville da Papua-Nova Guiné e fiquei
impossibilitado de andar, vi-me preso ali no interior, a mais de trinta
quilómetros da costa, sem qualquer forma de obter ajuda externa. Os
nova-guineenses que fracturam um osso não têm um cirurgião para os tratar e
acabam por ficar com um osso fora do sítio que os deixa permanentemente
incapacitados.»
A
designada “paranóia construtiva” dá um
particular enfase aos acontecimentos que envolvem riscos baixos, mas que por se
repetirem inúmeras vezes apresentam uma probabilidade de se revelarem danosos
ou mesmo fatais, caso sejam ignorados. Os incidentes e os acidentes ocorrem geralmente por algum motivo, «pelo
que temos de permanecer alerta para as possíveis razões e ter cuidado»2.
Por isso é que se deverá cultivar uma atenção e reflexão permanentes, reparando
em pequenos acontecimentos ou sinais,
e desenvolver uma atitude naturalmente cuidadosa, regrada e eco-lógica nas
actividades pedestres que decorrem no seio da natureza, mormente aquelas que
envolvem noites de campo. Neste contexto, a divisa dos escoteiros
“sempre alerta” ou “sempre pronto” (be prepared) expressa na perfeição a
atitude de atenção (plena) e de prontidão que tornarão as actividades de campo
significativamente mais seguras e agradáveis3…
Não
deixam também de ser interessantes as analogias que se poderão fazer entre a
paranóia construtiva e aquilo a que o psicólogo Kevin Dutton (2007) apelidou de
“mentalidade SOS”: um conjunto de
princípios nucleares da psicopatia que, adequadamente aplicados com a devida
atenção e cuidado, poderão contribuir para atingir um óptimo desempenho e uma
segurança acrescida. Dos sete princípios elencados por Dutton, destacamos
aqueles que poderão ajudar a responder antecipadamente, em vez de reagir, aos
desafios com que somos confrontados no âmbito do pedestrianismo: (1) atenção
plena, (2) concentração e (3) acção. Um dos segredos para minimizar eventuais
riscos no contexto e no método que implementarmos e, nesse contexto, as
qualidades apontadas marcam a diferença. Algo na linha daquilo que
experimentámos, há uns anos atrás, em actividades de pedestrianismo a solo sob a mnemónica CCR: calma,
concentração e rapidez.
1. Cf.
DIAMOND, Jarred – O Mundo até
Ontem – O que podemos aprender com as sociedades tradicionais?; Lisboa:
Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2013: 334-335.
2. Cf. ibidem: 55.
3. Cf.
BRYSON, Bill – Por aqui e por ali; Lisboa:
Quetzal Editores, 2007: 232. Mais uma vez a atenção, neste caso no
que concerne às condições climatéricas e às respectivas respostas corporais,
desempenha um papel fundamental: «O problema era ser um homem sem
imaginação. Era rápido e alerta nas coisas da vida, mas só nas coisas, e não
nos significados. (…) Esse facto (…) Não o levava a meditar sobre a fragilidade
do homem em geral, só capaz de viver dentro de certos limites estreitos de
calor e frio; e nem tão-pouco a conjecturar sobre o plano da imortalidade e o
lugar do homem no universo.» (in
LONDON, 2004: 200)
*Adaptado de CUIÇA, Pedro: Passo a Passo – Manual de Caminhada e Trekking. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2015: 230-231
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