quinta-feira, 22 de março de 2018

Ainda d'a poesia


O meu coração adopta todas as formas:
É pasto para a gazela e cenóbio para o eremita,
Templo para os ídolos e Kaaba para o peregrino,
Tábuas da Tora e livro do Alcorão
Apenas sigo a religião do Amor
Da sua caravana acompanho o trilho
Pois só o Amor tenho por fé e religião.

Ibn Arabi – Múrcia, 1165 (in VICENTE, 2010: 243)

Pedro Cuiça © túmulo do poeta Hâfez (Shiraz - Irão, Out./2017)

«De súbito, a claridade que lentamente vinha invadindo o vale e lhe permitia distinguir, cada vez mais nitidamente, os refinados bordados das teias de aranha entre os ramos dos arbustos nus, perlados com inúmeras gotículas de orvalho, manifestou-se num clarão de luz, quando o astro-rei se mostrou em todo o seu esplendor sobre os picos da Serra de Oden. Nunca se cansava do espectáculo proporcionado pela natureza, a eterna mãe, quando explodia, assim, em borbotões coloridos. Parecia-lhe que todo o conhecimento do universo se concentrava naquele momento, para ser colocado à disposição de quantos o soubessem ler e, então, o peito enchia-se-lhe de ternura por todos os seres, vivos e inanimados.
Terá sido esse sentimento a fazer-lhe recordar as longas conversas que, em torno da fogueira nas noites da Galileia, manteve com o velho sufi Ibn Arabi sobre a essência do Amor, como única via possível de união entre o Homem e Deus. Lembrava agora quão parecidas eram as suas palavras às dos Fideli d’Amore da sua querida Provença, onde a quente língua d’Oc apenas rivalizava com a  [línguados pássaros* nos seus gorgeios cantados.»
[VICENTE, 2010: 17-18]

«Profundos são os desígnios de Deus e longos os caminhos percorridos pelos irmãos da Ordem dos Trovadores. Também eles têm os seus segredos e pela sua linguagem argótica se guardam (…).»
[VICENTE, 2010: 28]

Pedro Cuiça © túmulo do poeta Saadi (Shiraz - Irão, Out./2017)

NOTA
*A língua dos pássaros também apelidada de língua das aves, gaia ciência (gaye science), gaio saber (gay sçavoir) ou língua dos deuses. · É a Luz espiritual da Palavra de Deus, expressa no seu próprio nome, que frutifica através da transformação da alma. É a saudação do anjo que actua sobre a Virgem, matéria prima no seu estado receptivo, essa mulher, mutans Evae nomen, cujo fruto seria entendido como a pedra filosofal, a transmutatio da alma caótica em espelho límpido do Conhecimento. [VICENTE, 2010: 120] · [Vós que ouvistes aquele AVE, da boca de Gabriel, estabelecei-nos na paz,] transformando o nome de EVA (ibidem: 120).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
VICENTE, António Balcão. O Templário d’El-Rei. Lisboa: Ésquilo, 2010, pp. 430. ISBN 978-989-8092-88-5


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