E como o dia da Mulher é como o Natal – devia ser
todos os dias –, aqui fica uma pequena nota, aparentemente desfasada, acerca de
um SER HUMANO com letra grande e de uma grande MULHER: Emma Rowena Gatewood
(1887-1973).
Emma foi uma dona de casa e mãe de 11 filhos, vítima
reiterada daquilo que é hoje amiúde designado por «violência doméstica»: sofreu
graves e continuadas agressões, a partir das primeiras semanas do casamento, tendo
sido espancada pelo marido, em várias ocasiões, quase até à morte, de que
resultaram costelas e dentes partidos, entre outras lesões físicas, tal como
tão ou mais graves danos a nível psicológico. Ademais, não bastasse essa
aterradora realidade, o marido ameaçou-a de efectivar o seu internamento, e
tentou repetidamente confiná-la, em instituições de saúde mental. No entanto,
as autoridades sabiam que se havia algum problema do foro psíquico não seria
certamente da parte dela!
O que nos move, todavia, neste sumário texto,
não é certamente o devassar da vida privada deste desavindo casal nem, muito
menos, produzir um, tão em moda, reconfortante relambório acerca da infortunada
condição do «coitadinho» ou do «desgraçadinho» – neste caso no feminino – versus o papel do «malvado» ou do «abjecto»
(vulgo «javardolas»). E, tão evidente quanto decorrente, estando nós do lado do
bem e indignadíssimos com o mal!... Menos ainda nos move expor os infortunados
episódios da vida de Emma Gatewood, bem pelo contrário*. Nesta singela
homenagem a essa grande MULHER pretendemos, precisamente, enaltecer as suas ímpares
e altaneiras vivências.
Quando o seu marido se tornava violento, Emma de
vez em quando fugia para o bosque para encontrar paz e… solidão. Depois de várias
vezes recorrer às caminhadas na floresta, nas imediações da sua casa no Ohio
(EUA), como fuga ao seu marido, ganhou finalmente, em 1940, a coragem necessária para se
divorciar.
Depois de criar os seus filhos, comunicou, em
1955, que partia para uma grande caminhada e… tornou-se a primeira mulher a
percorrer integralmente o Appalachian Trail. Na altura tinha 67 anos e um
equipamento precário: o calçado era umas simples sapatilhas Keds e como abrigo
dispunha de uma cortina plástica de duche; carregava um cobertor do exército, um casaco impermeável, um
saco caseiro para transportar o equipamento ao ombro e pouco mais! Foi alvo da
atenção dos media, ficou
famosa e ganhou o epíteto de «Grandma Gatewood».
Apesar de ser algo crítica acerca do itinerário
que, segundo ela, por alguma «tola razão» conduz sistematicamente ao topo das maiores
montanhas, viria a repetir o percurso por mais duas vezes (em 1960 e 1963), a
última das quais com 75 anos de idade. Deste modo, tornou-se a primeira pessoa
a fazer o Appalachian Trail três vezes e a mulher com mais idade a perfazer
esse itinerário. Além disso,
caminhou 3200 quilómetros ao longo do Oregon Trail, de Independence (Missouri)
até Portland (Oregon), andando uma média de 35 quilómetros por dia. Grandma
Gatewood foi, por mérito próprio (independentemente
de questões de género), uma «extreme hiker»
e pioneira do pedestrianismo ultra-leve de longo curso. Tendo-se tornado
uma celebridade, foi alvo de frequentes momentos de «trail magic» (assistência de estranhos), designadamente através da
dádivas de alimentos e oferta de lugares para pernoitar, e fez inúmeros amigos.
Grandma Gatewood desfrutou imensamente do andar e foi certamente muito feliz
nas suas andanças.
*A propósito de infortunados
episódios da vida, ocorre-nos o
exemplo de Christopher McCandless sobre o qual foram revelados episódios de
violência paterna durante a sua infância, juntamente com «teorias pouco abonatórias» e perfeitamente dispensáveis, no livro The Wild Truth (2014), da
autoria da sua irmã Carine McCandless!