sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Nítido como um girassol

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo.
Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos


quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A Fronteira Invisível

Kilian Jornet apresentou, este mês, o seu novo livro em Espanha e França: La Frontera Invisible (Editorial Now Books)/La Frontière Invisible (Outdoor-editions). Uma nova abordagem, sobre a sua actividade de corrida e esqui de montanha, em relação à primeira obra que contou com edição portuguesa: Correr ou Morrer (Lua de Papel, 2012), da qual tive o grato prazer de fazer a revisão técnica. Segundo Killian Jornet, quando planeou o novo livro: “Tinha ganas de escrever, mas não Correr ou Morrer outra vez; naquele livro mostram-se as sensações, as coisas que me podem motivar a correr ou que sinto durante as corridas ou alguns desafios.” Neste novo projecto editorial, Jornet volta a convidar-nos a correr, a ir mais além, a explorarmos a fronteira que separa a tristeza da felicidade, a vida da morte, numa história que caminha (ou corre) entre a realidade e a ficção. “Porque somos homens forjados de sonhos, se não sonhamos estamos mortos.

A Arte de Caminhar

Sobre o Pedestris: “Há na verdade uma Arte de Caminhar na perspectiva xamânica e ecosófica. Uma arte de caminhar que epifaniza o Outro Caminhar. Nada mais me desanima do que trilhar caminhos na Natureza com pessoas que o fazem sem o sentido da Presença. Este site é interessante porque traz propostas para esse caminhar. O genuíno Caminhar faz-se em Total Silêncio, dentro e fora de si mesmo, como Vivência do Um.” (Gilberto de Lascariz - Facebook, 27/11/2013)



NESSMUK

George Washington Sears (1821-1890) foi um escritor, conhecido sob o nome literário de “Nessmuk”, que popularizou a vida ao ar livre e o “canoeing”. Não, não se trata de “canyoning” mas sim de, numa tradução algo difícil, “campismo em canoa”! Este explorador, que foi buscar o seu pseudónimo a um índio amigo de infância, escreveu inúmeros artigos na revista “Forest and Stream” e diversos livros de que se destaca Woodcraft and Camping (1884). George Sears era apologista do uso de uma trilogia de instrumentos de corte para colmatar as necessidades com que se deparava em campo: “his little double bit hatchet of his own design, a light fixed blade and a substantial Moose pattern folder”. Regressar aos "clássicos" das artes do camping revela-se sempre estimulante, que mais não seja porque há sempre algo a (re)aprender. 
© Heron Dance (2011)

O Jardim do Algarve

Monchique
O Jardim do Algarve

A Serra de Monchique ergue a sua silhueta bruscamente, com fortes pendores mas formas suaves, acima do mar de colinas xistentas que a rodeiam. Esse paradisíaco jardim, que se desenvolve entre termas e belos recantos de montanha, desafia o caminhante a conhecer os seus pormenores ocultos.

A vila de Monchique, a cerca de 450 metros de altitude, é o ponto de partida para o percurso que irá por este miradouro verdejante sobre o litoral algarvio. Partindo da Travessa da Portela, junto da Câmara Municipal, sobe-se por estreitos e íngremes ruelas até ao Desterro, onde se acha o convento dos franciscanos (530 m). Em ruínas desde o terremoto de 1755, deste edifício pouco mais resta que a frontaria e uma nave, sendo no entanto, de destacar os enormes plátanos e nogueiras da sua antiga quinta.
Seguindo pelo caminho de pé-posto que avança em direcção a Relvinhas, vira-se à esquerda, para oeste, ao longo da estrada de terra batida que avança cimeira ao Barranco da Garganta, um verdejante vale densamente cultivado em grandes socalcos que aqui se designam por “canteiros”. Chegados ao lugar da Garganta, toma-se o rumo sul, passando para a vertente direita do vale.
A estrada de terra batida por onde se segue, abaixo da Relva Branca da Fóia, apresenta várias bifurcações, mas se se optar sempre pelo caminho da direita chegar-se-á ao sítio dos Montes da Fóia (780 m). Aí, toma-se o caminho que vira à direita, para este, e que aos poucos vai curvando rumo ao poente para passar, um pouco acima da Fontinha da Fóia, já na vertente setentrional da montanha.
Continuando a subir por essa velha estrada, pode-se apreciar a panorâmica que se abarca desde a Relva do Carrapateiro aos montes alentejanos da serra xistenta que se perdem no horizonte.
Pequenas casas construídas em pedra sienítica encontram-se, aqui e ali, dispersas no vale – tugúrios de pastores que, na maior parte dos casos, se encontram em ruínas. O cume e grande parte da encosta da Fóia surgem repletos de blocos e penhascos.
Quando D. João II deu a Fóia aos habitantes da povoação de Monchique, ainda essa elevação apresentava a sua cumeada coberta por árvores, nomeadamente sobreiros e azinheiras, de que não restam vestígios devido aos incêndios. Actualmente, a cumeada desse grande dorso sienítico encontra-se revestida por matos de Esteva, Urze, Alecrim, Tomilho, Trovisco e outras pequenas plantas.
A estrada que se tem seguido até aqui leva ao topo da montanha, virando à esquerda para Pegões (892 m) e depois à direita em direcção ao Monge, vértice geodésico de primeira ordem que assinala o ponto mais elevado da serra – a Fóia (902 m). Daí, em dias de boa visibilidade, podem vislumbrar-se vastos horizontes, desde a costa meridional algarvia, a sul, até à Serra da Arrábida, a norte.
Após um descanso merecido, deverá o viajante “fazer-se ao caminho”, pois ainda há muito para andar. Desce-se o vale que parte da Fonte da Égua por uma estrada empedrada e, na bifurcação desta, volta-se à esquerda, indo dar a uma casa tradicional: mais uma que infelizmente se encontra degradada. O caminho que começa junto desta construção de pedra atravessa a ribeira do Barranco Porto do Cano leva até à estrada que, após passar em habitações de arquitecturas mais recentes, desemboca, ao km 4, na EN 266-3.
Entre o km 3 e o km 2, sai-se da estrada alcatroada virando à direita para o sítio de Bouça. No meio de denso arvoredo, em que os eucaliptos se destacam por entre caminhos de pé-posto, desce-se por esse grande vale a que o povo chama “Barrocal”, em direcção a Nave da Papoila.
O vale da Ribeira de Boina (vulgo Barrocal), que se estende desde Monchique às Caldas de Monchique, é bastante povoado. De facto, essa grande depressão entre a Fóia e a Picota está preenchida por um intenso pontilhado de pequenas propriedades que aproveitam a copiosa fertilidade desses solos, cobertos de húmus, para cultivar grande diversidade de frutas e legumes. Nesse vale de erosão abundam, entre outras árvores, as oliveiras e os sobreiros, assim como os mais recentes e comuns eucaliptos.
Chegados à estrada de terra batida que liga a Nave a Monchique, segue-se na direcção desta vila. No cruzamento da EN 266, à estrada de Monchique, vira-se à direita, seguindo pela Calçada do Pé da Cruz em direcção ao diminuto povoado de Serra. Daí até à Picota (774 m) já falta pouco mas o declive acentuado vai abrandar o ritmo da marcha. Essa notável elevação penhascosa e pontiaguda proporciona, tal como o topo da Fóia, um miradouro natural de onde se poderão vislumbrar amplas panorâmicas. A subida pela vertente setentrional, íngreme e rochosa, aconselha aliás um breve repouso no cimo dessa elevação.
A partir daí, o percurso desce a vertente sul por trilho aberto em densa floresta que nos conduzirá ao Montinho do Craço, onde uma casa e a sua fresca horta aguardam os caminheiros. No entanto, nada de paragens, pois ainda há que andar até Vale das Perdizes e, daí, até ao Covão da Águia. Só então o tanque de rega que aí se encontra junto a um casarão (diríamos quase senhorial) não permite a continuação sem uma paragem refrescante.
Deste local, via Pedras Novas, o caminho, quase sempre a descer, conduz ao belíssimo povoado de Caldas de Monchique, rodeado por exótica e densa vegetação. Esta estância termal, frequentada pelo menos desde a presença dos árabes na península, será o termo desde longo mas gratificante percurso.

(Pedro Cuiça in Guia de Percursos Naturais. Lisboa: Forum Ambiente, 1995; pp. 181-186)



Ficha Técnica
Extensão: 20541 m
Duração média: 6 h 30 mn
Dificuldade: nível III
Desnível acumulado: +866 m, -1076 m
Altitude média: 585 m
Paisagem: bosques de Quercíneas e castanheiros, campos de cultivo e matos arbustivos
Áreas abrangidas: Biótopo CORINE da Serra de Monchique
Época aconselhada: todo o ano
Acessos: via Portimão - Caldas de Monchique (EN 266) ou Aljezur - Marmelete - Casais (EN 267)
Pernoita:
- Parque de Campismo (Orbitur) de Portimão
- diversos parques de campismo em Lagos
Concelhos abrangidas: Monchique

Educar por/para quê?

Educação Ambiental e Educação para o Desenvolvimento Sustentável: eventuais inter-relações entre duas perspectivas educativas. 

Introdução
A conservação da natureza adquiriu uma importância crescente, sobretudo a partir da Revolução Industrial (séc. XIX), quando o Homem começou a tomar consciência dos problemas ambientais resultantes de significativos impactes antrópicos. Desde essa altura até ao presente, essa tomada de consciência consubstanciou-se no desenvolvimento de diversas medidas com vista senão à resolução dos problemas pelo menos à mitigação dos mesmos; de entre estas destacam-se os processos educativos. Neste texto pretendemos inferir eventuais inter-relações entre duas perspectivas educativas: a educação ambiental e a educação para o desenvolvimento sustentável.

Educação Ambiental e Sustentabilidade
No “workshop” internacional de Educação Ambiental (EA) organizado, em 1970, pela UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza (hoje União Mundial para a Conservação) foi avançada uma das primeiras definições de EA: “processo que consiste em reconhecer valores e clarificar conceitos com o objectivo de incrementar as atitudes necessárias para compreender e apreciar as inter-relações entre o Homem, a sua cultura e o meio biofísico” (CARAPETO, 1998).
Na Conferência Intergovernamental do Ambiente Humano realizada na Suécia, em 1972, foi elaborada uma recomendação específica sobre EA. A recomendação 96 da “Conferência de Estocolmo” referia que a educação relativa ao ambiente tinha por objectivos “formar uma população mundial consciente e preocupada com o ambiente e com os problemas a ele ligados, uma população que tenha os conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as motivações e o sentido de compromisso que lhe permita trabalhar individual e colectivamente na resolução das dificuldades actuais, e impedir que elas se apresentem de novo” (EVANGELISTA, 1992).
No “workshop” sobre EA realizado, em 1975, sob os auspícios da UNESCO foi elaborada a Carta de Belgrado sobre EA. O Conselho da Europa organizou em Haia, também no ano de 1975, o “Seminário Internacional sobre Educação Mesológica num Quadro Urbano e Rural”, que quase coincidiu com o evento de Belgrado. Neste seminário verificou-se que numerosos países não tinham uma noção nítida dos objectivos de uma política de EA (ibidem). Essa constatação revelava que essa tipologia educativa, na altura também designada “educação mesológica”, não estaria na sua globalidade a ser implementada da melhor forma. Dominava então a tendência conservacionista e a simples observação, sendo frágil a articulação dos diversos elementos que deveriam contribuir para a interpretação e, mais importante, a tomada de acções. As ciências da natureza ou a ecologia predominavam na maior parte dos países, porque o sector do ambiente, a nível estatal, estava ainda numa fase incipiente (ibidem). No entanto, será de salientar que um relatório escocês, datado de 1963, já concluía: “A educação mesológica não deve visar unicamente a protecção e ou a salvaguarda da natureza, mas englobar os problemas do ambiente criado pelo homem” (ibidem).
Adstrito aos processos de EA esteve, desde logo, implícita a intenção de empreender acções concretas com vista à resolução ou mitigação dos problemas ambientais. Apesar desse desiderato se encontrar expresso nas definições de EA, em muitos países, incluindo Portugal, as acções educativas circunscreveram-se amiúde à expressão mais simples de mera sensibilização ambiental. A EA constitui, sem dúvida, um processo de reconhecimento de valores e de clarificação de conceitos mas deve visar sobretudo a aquisição de capacidades, comportamentos e atitudes necessárias para abarcar as relações de interdependência entre o Homem, o seu meio cultural e o ambiente (GONÇALVES et al., 2007). Essas características marcadamente intervencionistas foram manifestando uma progressiva importância à medida que os processos de EA foram amadurecendo, tornando-se prioritários sobretudo a partir do momento em que o conceito de desenvolvimento sustentável passou a estar na ordem do dia (após a sua definição pela Comissão Brundtland, 1987). Os aspectos sociais e económicos, inicialmente restritos ou ausentes, passaram a desempenhar um papel cada vez mais importante e os processos de EA a abarcar um espectro temático muito amplo e a envolver um número cada vez maior de elementos, num contexto de interdisciplinaridade.
A educação para a sustentabilidade surge como uma necessidade fundamental de alertar e esclarecer para o caminho que deve ser seguido para melhorar as condições ambientais do planeta, para uma vivência em harmonia com o ambiente (ibidem). Educar para um futuro sustentável, sob este ponto de vista de uma holística interdependência, exigirá a aprendizagem sobre as interacções dos processos ecológicos, mas implica igualmente integrar tanto o estudo dos mercados, como os valores culturais e a tomada de decisões sobre, por exemplo, como diminuir a “pegada ecológica”. Aos cidadãos depara-se o compromisso de aprender a reflectir criticamente sobre o seu lugar no mundo, questionando o que a sustentabilidade significa e implica não só em termos individuais mas também para a comunidade em que estes se inserem, em última análise o vasto condomínio que é a Terra: “pensar global, agir local”. Os princípios orientadores de uma intervenção estratégica no domínio da EA para a sustentabilidade visarão uma cidadania ambiental interveniente.
O ensino-aprendizagem desenvolvido, nomeadamente em contexto escolar, cria decerto habilidades capazes de se transferirem para contextos ambientais, quer seja na escola ou não. Outra maneira pela qual uma primeira aprendizagem permite um desempenho posterior mais eficiente é aquilo a que, adequadamente, se chama transferência não específica ou, com maior exactidão, transferência de princípios e atitudes (BRUNER, 1998).
Relativamente à aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável, e concomitantemente à implementação de metodologias de educação para a sustentabilidade, é importante que os educadores/professores estejam seguros do que estão a ensinar. No entanto, tal não é fácil tendo em conta que existem diversas correntes de pensamento, resultado daquilo a que os alemães chamam Weltanschauung – diferentes perspectivas do mundo (SPRINTHALL & SPRINTHALL, 1997). O que tem sido escrito sobre desenvolvimento sustentável não tem colhido consensos na comunidade em geral e na comunidade científica em particular, em especial no que se refere ao significado de “sustentável” (FIGUEIREDO, 2006; GONÇALVES et al., 2007). Esta ambiguidade tem suscitado alguns problemas no que concerne à clarificação de questões de ordem política, filosófica e técnica, que desta forma permanecem por resolver (GONÇALVES et al., 2007). Esta ambiguidade reflecte-se, também, inevitavelmente, nos objectivos educacionais, nos métodos e modelos de ensino, na escolha de elementos para um ensino eficaz e, como não podia deixar de ser, nas próprias políticas educativas.

Conclusão
O conceito de EA tem experimentado uma assinalável evolução ao longo dos tempos. Inicialmente apresentava um carácter quase exclusivamente conservacionista, centrado na ecologia. Nos dias de hoje apresenta duas grandes tendências, ambas marcadamente interdisciplinares e intervencionistas. Uma associada a correntes de pensamento ecocêntricas ou biocêntricas, enquadradas sob a denominação de “ecologia profunda” (deep ecology), e uma outra ligada a concepções antropocêntricas, enquadradas sob a denominação de “ambientalistas” ou de “ecologia superficial” (shallow ecology) (FERRY, 1993; PEPPER, 2000). As primeiras manifestam-se geralmente contra a globalização e o modelo ocidental de progresso, defendendo uma clara ligação à natureza. As últimas, claramente maioritárias, defendem a construção de um futuro pensado e vivenciado segundo uma lógica de desenvolvimento e progresso. “Neste contexto, a EA é aceite, cada vez mais, como sinónimo de educação para o desenvolvimento sustentável ou educação para a sustentabilidade” (INA, 1989 in GONÇALVES et al., 2007).

(Pedro Cuiça, 2012)

Referências bibliográficas
BRUNER, Jerome – O Processo da Educação. Lisboa: Edições 70, 1998. ISBN 972-44-0976-7
CARAPETO, Cristina – Educação Ambiental. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. ISBN 972-674-255-2
EVANGELISTA, João – Razão e Porvir da Educação Ambiental. Lisboa: Instituto Nacional do Ambiente, 1992. ISBN 972-9300-02-X
FERRY, Luc – A Nova Ordem Ecológica. Porto: Edições Asa, 1993. ISBN 972-41-1297-7
FIGUEIREDO, Orlando – A controvérsia na educação para a sustentabilidade: uma reflexão sobre a escola do século XXI. Disponível em http://nonio.eses.pt/interaccoes/artigos/D1.pdf, 2006. [Consult. 2 Abr. 2012]
GONÇALVES, Fernando et al.Actividades Práticas em Ciência e Educação Ambiental. Lisboa: Instituto Piaget, 2007. ISBN 978-972-771-855-9
MORGADO, Fernando; PINHO, Rosa; LEÃO, Fernando – Educação Ambiental – Para um ensino interdisciplinar e experimental da Educação Ambiental. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2000. ISBN 972-707-274-7
PEPPER, David – Ambientalismo Moderno. Lisboa: Instituto Piaget, 2000. ISBN 972-771-221-5
SPRINTHALL, Norman A. & SPRINTHALL, Richard C. – Psicologia Educacional – Uma Abordagem Desenvolvimentista. Alfragide: McGraw-Hill de Portugal, 1997. ISBN 972-9241-37-6

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Cabeços Alentejanos


Forum Ambiente nº 75 de Novembro de 2001 - Percurso: Pedro Cuiça - Ilustrações: Nuno Farinha e Fernando Correia

Responsabilidade Fora de Portas

Responsabilidade Social e actividades de ar livre

As “preocupações ambientais” adquiriram uma importância crescente, desde a Revolução Industrial (séc. XIX) e sobretudo a partir dos anos 70 do século passado, quando a sociedade em geral começou a tomar consciência dos problemas do “meio ambiente” resultantes de significativos impactes antrópicos. Desde essa altura até ao presente, essa tomada de consciência consubstanciou-se no desenvolvimento de diversas medidas com vista senão à resolução dos problemas pelo menos à tentativa de mitigação dos mesmos. No entanto, a presente conjuntura demonstra a existência de uma incontornável crise ambiental global, “decisivamente credora de uma inadiável tomada de consciência, compreensão e participação activa” (ALHO, 2011), a que acresce uma crise económica também de características globais… Neste contexto, a responsabilidade social ganhou um maior destaque, a partir dos anos 90 do século passado, com base numa maior intervenção da sociedade, dos meios de comunicação e das ONG’s nas questões ambientais, com reflexos nomeadamente no mundo empresarial (CAMPANER & SILVA, 2011). A gestão ambiental deixou de ser um assunto somente de ambientalistas ou ecologistas para se tornar um assunto transversal a toda a sociedade, incluindo praticantes de actividades de ar livre.

Ser/estar responsável
A sociedade actual encontra-se num profundo processo de mudança, que inclui a maneira de pensar, perspectivas, metas e objetivos das pessoas. Diante desta nova exigência de consciencialização, a educação ambiental incrementa a formação de indivíduos mais capazes de compreender o mundo e agir de forma consciente, ou seja, uma sociedade socialmente mais responsável (LAYRARGUES, 2004).
As (novas) questões implicadas na construção de uma cidadania ambiental (também social e cultural), com base na pobreza, nas desigualdades, na democracia participativa e na conservação da natureza, entre outras importantes interrogações, recordam a “exigência de um mútuo suporte entre direitos e responsabilidades”, remetendo para uma participação activa por parte da comunidade independentemente da sua escala. Está em causa a nossa relação com as pessoas e com a Terra, a nossa geração com as gerações futuras e a nossa própria identidade (ALHO, 2011). A ética da responsabilidade, na senda de Hans Jonas, move-se no âmbito das filosofias ambientais antropocêntricas: a conservação da natureza é entendida como um bem a legar aos vindouros, em que a “heurística do medo” traduz a necessidade de uma (re)acção prudente e cautelosa tendo em vista assegurar às gerações futuras um ambiente preservado (VARANDAS, 2009).
O “sentimento” de ameaça à sobrevivência humana, face ao aquecimento global, ao crescimento exponencial da população humana, à erosão, degradação e desertificação dos solos, à poluição e escassez de água potável e à extinção de espécies de fauna e flora (com acentuada perda de biodiversidade), entre outros problemas, fizeram com que as questões ambientais passassem a ocupar um espaço de destaque nos diversos fóruns mundiais, promovendo a intervenção e a cooperação da sociedade em geral e do mundo empresarial em particular.
Os cidadãos, quer a título individual quer sob forma associada, desenvolvem iniciativas multifacetadas que remetem para tomadas de opções com claras implicações, directas e indirectas, a nível ambiental e social, nomeadamente no que concerne à promoção da biodiversidade. A título de exemplo, destacamos iniciativas como as levadas a cabo pelas associações DariAcordar, Realimentar ou Refood, ou o PERDA – Projeto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (vencedor da edição de 2011 do Prémio Ideias Verdes), alvo da Mesa Redonda sobre o Desperdício Alimentar que decorreu, na tarde de 13 de Dezembro de 2012, na Fundação Calouste de Gulbenkian (BAPTISTA et al., 2012).
Se a importância da responsabilidade socio-ambiental dos cidadãos, sob forma individual ou associativa, sofreu um incremento substancial nas últimas duas décadas, poucos assuntos cresceram tanto em importância nas empresas quanto a gestão ambiental e a responsabilidade social corporativa (RSC) (CAMPANER & SILVA, 2011). A gestão socio-ambiental surge como um novo paradigma de gestão de empresas com base no conceito de Tripple Bottom Line: uma empresa deve gerir não só o seu resultado económico, mas também os seus resultados ambiental e social (URSINI & BRUNO, s/d.).
A responsabilidade social a nível empresarial, no âmbito da denominada “economia verde”, nomeadamente através da oferta de produtos de investimento socialmente responsável, tem apresentado um crescente interesse. Segundo McIntosh (2001), a responsabilidade social tornou-se mesmo um referencial de excelência das empresas (MENDONÇA et al., s/d.) A RSC traduz-se na implementação de políticas empresariais que visam a integração dos valores e dos interesses de todos os stakeholders, incluindo entidades da Administração e da comunidade local, clientes e empregados, investidores e cidadãos (ALHO, 2011). A RSC obedece a nove princípios estratégicos, de entre os quais três são relativos a ambiente: (1) sustentar uma abordagem de precaução aos desafios ambientais (princípio da precaução), (2) tomar iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental e (3) encorajar o desenvolvimento e a fusão de tecnologias amigas do ambiente (ibidem).

Conclusão
Vivemos actualmente uma crise económica a nível global, a par de uma crise ambiental de características e efeitos igualmente globais. Ultrapassar essas crises, económica e ecológica, implicará uma maior responsabilização de todos em geral e de cada um em particular. A responsabilidade social, nas suas diversas facetas, trata-se de um caminho que não só pode como deve contribuir para inverter a dinâmica de destruição do planeta e para um efectivo desenvolvimento sustentável. A biodiversidade, não só enquanto recurso mas também enquanto valor em si, deve merecer uma especial atenção de todos os agentes, numa dinâmica de responsabilização individual e colectiva. A preservação da biodiversidade tem de ser assumida como objectivo prioritário de um desenvolvimento que se pretenda sustentável e este passará inevitavelmente por uma adequada responsabilização. E, nesse particular, os praticantes de actividades de ar livre não se devem alhear da realidade, como se vivessem num mundo à parte e a sua praxis fosse isenta de impactes, adoptando uma atitude pró-activa ambientalmente responsável.

(Pedro Cuiça, 2012)

Referências bibliográficas
ALHO, Manuel – Responsabilidade Social, Ambiente e Biodiversidade. Disponível em http://www.animar-dl.pt/index/vez_e_voz/ii/responsabilidade_sab, 2011. [Consult. 8/12/2012]
An overview of the Environment, Protection and Biodiversity Conservation Act. Disponível em http://auspost.com.au/media/documents/epbc-overview.pdf, 1999. [Consult. 4/12/2012]
BAPTISTA, Pedro et al.Do Campo ao Garfo – Desperdício Alimentar em Portugal. Lisboa: CESTRAS, 2012. ISBN 978-989-20-3438-6
BERTÉ, Rodrigo – Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa. Disponível em http://www.pge.ac.gov.br/siteposgraduacao/gestaoambiental/materialdeapoio.pdf, 2007. [Consult. 4/12/2012]
Business & Biodiversity. Disponível em http://www.bdnj.org/pdf/BBhandbook.pdf, 2002. [Consult. 4/12/2012]
CAMPANER, Érica & SILVA, Heloisa da – Gestão Ambiental e Responsabilidade Social: Uma questão passageira?. Disponível em http://www.unisalesiano.edu.br/simposio2011/publicado/artigo0088.pdf, 2011. [Consult. 4/12/2012]
DESJARDINS, Julie & WILLIS, Alan – Sustainability: Environmental and Social Issues Briefing. Disponível em http://www.cica.ca/focus-on-practice-areas/governance-strategy-and-risk/directors-series/director-briefings/item52853.pdf, 2011. [Consult. 4/12/2012]
FURTADO, João S. – Gestão com responsabilidade socioambiental – Desenvolvimento sustentável e comunidade. Disponível em http://teclim.ufba.br/jsf/acoessa/rsa02.pdf, 2003. [Consult. 4/12/2012]
KYMAL, Chad – Integrating Social Responsibility with Quality and Environmental Management Systems. Disponível em http://www.omnex.com/members/downloads/asq_june201_integrating_social_responsibility.pdf, s/ d.. [Consult. 4/12/2012]
LAYRARGUES, Phillipe – Educação Ambiental com Responsabilidade Social. Disponível em http://material.nerea-investiga.org/publicacoes/user_35/FICH_FR_41.pdf, 2004.  [Consult. 4/12/2012]
MENDONÇA, Clarice et al.A responsabilidade social e ambiental na gestão estratégica organizacional. Disponível em http://www.unifae.br/publicacoes/pdf/IIseminario/politicas/politicas_03.pdf, s/ d.. [Consult. 4/12/2012]
Responsabilidade Social, Ambiente e Biodiversidade. Disponível em http://www.animar-dl.pt/index/vez_e_voz/ii/responsabilidade_sab, 2011. [Consult. 4/12/2012]
Responsabilidade socioambiental: estudo de caso em uma empresa de sistemas de distribuição elétrica para o setor automobilístico. Disponível em  http://www.aedb.br/seget/artigos09/209_iental_estudo_de_caso_em_uma_empresa_de_sistemas_de_distribuicao_eletrica_para_o_setor_automobilistico.pdf, s/d.. [Consult. 4/12/2012]
Sustainable development and Corporate Social Responsability – Tools, codes and standards for the mineral exploration industry. Disponível em [Consult. 4/12/2012]http://www.pdac.ca/pdac/publications/pdf/sd-csr-publication-final.pdf, 2007.
TESSLER, Marga Barth – Meio Ambiente e Responsabilidade Social. Disponível em http://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/arquivos/conc_juizes/meio_ambiente_e_responsabilidade_social.pdf, s/ d.. [Consult. 4/12/2012]
WHATLING, Derek Roy – Managing the impact o biodiversity of supply chain companies. Disponível em http://eprints.aston.ac.uk/10049/1/FULL_THESIS_DOCUMENTPDF.pdf, 2010. [Consult. 4/12/2012]
URSINI, Tarcilia Reis & BRUNO, Giuliana Ortega – A gestão da responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável. Disponível em http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/RevistaFAT03_ethos.pdf, s/ d.. [Consult. 4/12/2012]

Ecological Footprint

Pegada Ecológica e Ética Ambiental

A pegada ecológica (ecological footprint) trata-se de um índice desenvolvido, na primeira metade da década de 90 do século passado, por William Rees e Mathis Wackernagel, com base no conceito de capacidade de carga dos ecossistemas (tal como noutros como emergy e MIPS). Este índice reflete a área de terreno ou de água (biocapacidade) necessária para manter o consumo de recursos e energia, assim como absorver os resíduos produzidos por uma determinada população humana ou economia (BURGESS & LAI, 2006). A pegada ecológica não é uma medida exata mas uma estimativa do impacte que o nosso estilo de vida terá sobre o planeta, sendo por isso usada como um indicador de sustentabilidade: para atingir um desenvolvimento sustentável a pegada ecológica associada terá de ser inferior a uma Terra. Nesse âmbito, as actividades de ar livre não podem ser descontextualizadas da sua “forma de fazer” (da sua praxis) e, daí, da sua componente ética, com claras implicações ambientais que podem (e devem) ser integradas no conceito de pegada ecológica. Basta ter em consideração a indústria de equipamentos out-door e o consumismo inerente, tal como a indústria de animação turística ou os transportes (designadamente aéreos) associados a essas actividades para facilmente verificarmos a importância da forma como se praticam as actividades de ar livre, hoje em dia, no cálculo da pegada ecológica.
A evidente insustentabilidade do estilo de vida moderno e, posteriormente, pós-moderno, baseado no consumismo e, depois, no híper-consumismo – para empregar a expressão cunhada pelo filósofo Gilles Lipovetsky (2004) – tornou evidente, em determinadas correntes de pensamento, a necessidade de uma outra relação/posicionamento face à Natureza. A aurora dessas novas formas de pensar é traduzida de forma cabal na obra A Sand County Almanac (1949) – traduzido para português sob o título “Pensar como uma Montanha” –, talvez o mais discutido clássico da natureza e da ecologia, e o pilar de uma muito recente ética da Terra, ética ambiental ou ética ecológica. Retomando a inspiração de outras duas gradas figuras do pensamento norte-americano do século XIX, os transcendentalistas Ralph Waldo Emerson e Henry David Thoreau, no pensamento de Aldo Leopold está incluso praticamente tudo aquilo que hoje estamos a (re)aprender quando queremos transformar o conceito de desenvolvimento sustentável em algo realmente efetivo: o respeito pelos valores intrínsecos dos ecossistemas; a capacidade de apreciação do sagrado e o sublime que se manifesta na Natureza (Soromenho-Marques in LEOPOLD, 2008). É esta visão do mundo – ecocêntrica – que Bill Devall, na sequência do filósofo norueguês Arne Naess, se propõe designar por deep ecology (ecologia profunda). Segundo uma terminologia já clássica nas universidades americanas, deve-se opor a “ecologia profunda” (deeep ecology), “ecocêntrica” ou “biocêntrica”, à “ecologia superficial” (shallow ecology), ou “ambientalista”, fundada no velho antropocentrismo (FERRY, 1993)
Para Marina Silva, ex-Ministra do Meio Ambiente do Brasil, o desenvolvimento sustentável deve integrar a ecologia e a economia (com. pessoal, 2011). Por outro lado, Marina Silva destaca a importância da sustentabilidade política (que implica passar de opções predatórias a sustentáveis) e da sustentabilidade ética (defendendo que grande parte dos problemas não se resolvem por falta desta): “a ética implica questionar não apenas o que fazemos mas o que somos” (ibidem). Satish Kumar, editor da revista Resurgence, defende que a crise atual não é económica mas sim monetária/financeira e destaca também a complementaridade da ecologia (eco: casa + logos: sabedoria) e da economia (eco: casa + nomos: gestão) (com. pessoal, 2011), melhor seria falar de uma economia ecológica: a gestão da nossa casa (a Terra) com sabedoria. Marina Silva apela a “novos patamares civilizacionais” e Kumar a não temer o idealismo, afinal ambos vislumbram a atual crise de valores e procuram suplantá-la.
O tempo presente exige novas caravelas do pensamento, que deem novos mundos ao mundo, e será, certamente, nessas novas navegações que se descobrirá a forma de implementar um desenvolvimento sustentável gerador de uma pegada ecológica compatível com uma só Terra. Daí a interrogação de Kumar e também a sua resposta: “O que é que o realismo fez? Devemos agora ser idealistas.” Daí o desafio de Marina Silva, através de uma frase de Edgar Morin: “A mudança no começo é apenas um desvio.” Ou (quem sabe?) um retorno às origens…

(Pedro Cuiça, 2012)




Referências bibliográficas
BURGESS, Bill & LAI, Jessica – Footprint Analysis and Review. Disponível em http://www.kwantlen.ca/__shared/assets/Ecological_Footprint_Study6847.pdf, 2006. [14/Nov. 2012]
FERRY, Luc – A Nova Ordem Ecológica. Porto: Edições Asa, 1993. ISBN 972-41-1297-7
KUMAR, Satish – Comunicação pessoal, 2011. [2 Set. 2011]
LEOPOLD, Aldo – Pensar como uma Montanha. Águas Santas: Edições Sempre em Pé, 2008. ISBN 978-972-8870-10-2
LIPOVETSKY, Gilles – Les Temps hypermodernes. Paris: Grasset, 2004. ISBN 978-2-253-08381-8
Pegada Ecológica. Disponível em http://www.ecopegada.org/. [Consult. 14/Nov. 2012]
SILVA, Marina – Comunicação pessoal, 2011. [21 Out. 2011]
WACKERNAGEL, Mathis, MORAN, Dan & GOLDFINGER, Steven – Ecological Footprint Accounting: Comparing Resource Availability with an Economy’s Resource Demand. Disponível em http://www.envirosecurity.org/conference/working/EFAccounting.pdf, 2004. [Consult. 14/Nov. 2012]

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Percurso Megalítico


Forum Ambiente nº 75 de Novembro de 2001 - Percurso: Pedro Cuiça - Ilustrações: Nuno Farinha e Fernando Correia

Pedestrianismo (in)sustentável

Conservação da natureza e Desportos de Montanha

“ Brilhando como entre erva alpina,
Gencianas azuis desabrochadas e que ninguém possui.”
Aldous Huxley

Os locais de difícil acesso eram tradicionalmente pouco frequentados pelo Homem. No entanto, o significativo incremento da prática de actividades de ar livre, que se verificou nas últimas décadas, começa a reflectir-se pontualmente na qualidade desses sítios, de grande riqueza natural, e sobretudo na publicação de diversa legislação com vista ao enquadramento das mesmas. Legislação que se tem pautado, infortunadamente, por um acentuado cariz proibitivo e restritivo das actividades de ar livre e que, por isso, tem sido alvo de frequentes críticas, designadamente no que se refere à taxação do desporto e usufruto da natureza. É certamente mais fácil proibir do que gerir! No entanto, em matéria de conservação da natureza, esperar-se-ia uma gestão adequada e coerente em vez de uma “simplória” cópia de tendências estrangeiras transpostas atabalhoadamente e de forma descontextualizada para a realidade nacional. Bastará, aliás, uma rápida leitura da legislação em vigor para constatar a impreparação do legislador e a falta de rigor da “letra da lei”. O propalado mito das marcas internacionais de balizagem de percursos pedestres que se encontra plasmado na legislação nacional é disso um excelente exemplo. Saliente-se, para quem não sabe, que a sinalética usada na marcação de percursos pedestres varia de país para país e, numa série deles (Portugal, Espanha, Andorra, França, etc.), constitui propriedade registada por parte das federações dos respectivos países.
Mais, seria de todo conveniente que os praticantes de actividades de ar livre compreendessem, porque lhes foi devidamente explicado e justificado, o porquê da tomada de determinadas medidas ditas “conservacionistas”. Com efeito, a protecção devida à inacessibilidade do terreno já não funciona face ao grande incremento dos desportos de aventura, especialmente quando a construção de (novas) vias de comunicação, por si só, facilitam o acesso. No entanto, é difícil, senão impossível, compreender certas opções de gestão implementadas nas áreas protegidas tendo em conta assinaláveis contra-sensos em matéria de conservação! Veja-se o exemplo da EN339 que sulca o planalto central da Serra da Estrela ou os “centros comerciais” da Torre, infra-estruturas que permitem o acesso facilitado e atraem massivamente turistas, com inquestionáveis e diversos impactes ambientais e sociais, de que destacamos a proliferação de sacos de plástico usados na prática de “sku” ou o desvio do comércio das aldeias serranas para o topo da serra! Quantas pessoas é que escalavam vias clássicas no Cântaro Magro por ano, antes da proibição de escalar nessa montanha e apesar de se poder estacionar o carro “à porta” de uma série de vias? Chegaria a duas dezenas de almas? E quantas pessoas iriam andar a pé para o planalto central se tivessem de deixar o carro em Manteigas ou nas Penhas da Saúde? Largos milhares? Duvidamos muito, tendo em conta que, nem antes, nem agora, com uma estrada em pleno planalto se atingem números similares. No tocante a estas questões (ou similares) não será, no entanto, aconselhável apostar em “artes divinatórias” mas, sim, efectuar estudos credíveis que, através de estratégias adequadas de monitorização, consigam dar respostas fundamentadas e, por isso, cabais em vez das costumadas especulações a que nos temos habituado!

Impactes de ar livre
Hoje em dia, “não deixar mais que pegadas e não tirar mais que fotografias” é insuficiente face aos problemas de massificação das actividades outdoor. Exigem-se medidas concretas, fundamentadas e eficientes que resolvam o paradoxo de como proteger e simultaneamente promover actividades de ar livre. Torna-se evidente que essas actividades terão de passar por uma ponderação, na perspectiva do que se entende por desenvolvimento sustentável, em que o diálogo entre os diversos intervenientes contribua para uma gestão coerente e equilibrada do património natural.
Actualmente chega-se à conclusão de que cada um de nós desempenha um papel, mais ou menos importante, nas alterações que se processam constantemente no meio: apesar das contribuições individuais serem pequenas ou mesmo insignificantes a sua soma poderá atingir grandes proporções. A massificação dos “terrenos de aventura” pode originar diversos impactes ambientais: pisoteio, incremento da erosão, ruído, destruição de vegetação, perturbação da fauna, detritos, risco de incêndio, etc.. Por outro lado, a multiplicidade de actividades de ar livre é estonteante: desportos motorizados, caça e pesca, hidrospeed, canyonig, canoagem, parapente, asa-delta, bicicleta de montanha, marcha e/ou corrida de orientação, espeleologia, escalada, montanhismo, pedestrianismo, percursos equestres, esqui, etc.. Haverá um largo consenso em torno do que aqui foi exposto, no tocante aos (eventuais) impactes ambientais da prática de actividades de ar livre, tal como haverá no que concerne há necessidade de diferenciar as diversas actividades, caracterizar os respectivos impactes, monitorizar, quantificar, etc.. E, nesse pressuposto, efectuar uma gestão particularizada, diferenciadora e ajustada às especificidades em jogo.

Pedestrianismo (in)sustentável
O pedestrianismo, nas suas diversas facetas, provoca inegáveis impactes sobre o meio onde se pratica. E alguns são particularmente pertinentes, sobretudo quando se assiste à massificação de determinados itinerários ou locais: perturbação da fauna, incremento da erosão, etc.. Mas, se é certo que existem diversos impactes negativos, a prática de pedestrianismo também comporta variados e notórios aspectos positivos, nomeadamente no que concerne à revitalização das economias deprimidas das povoações/populações de montanha e à preservação do património viário e seu entorno. O dinamismo económico que o pedestrianismo implementou em determinadas regiões é verdadeiramente notável, mas também não será razoável ignorar as consequências negativas apensas à sua prática. Mas, mais uma vez, não será displicente destacar os contributos positivos dessa prática, mormente em áreas protegidas. Os percursos pedestres balizados e devidamente implementados constituem um instrumento privilegiado de gestão ambiental e territorial, promovendo a afluência do público em geral para determinados itinerários aconselhados e afastando, sem nunca o mencionar e muito menos proibindo, as pessoas de locais/trajectos “ecologicamente frágeis”.
Respeitar o meio ambiente será uma garantia não só da qualidade do mesmo, como do futuro do pedestrianismo. No entanto, de uns anos a esta parte, constata-se a implementação de inúmeros condicionalismos e proibições da prática dessas actividades, sobretudo nas áreas protegidas. É importante que os pedestrianistas possuam uma conduta irrepreensível no que concerne à conservação da natureza, mas também é certo que os decisores devem ter em conta as especificidades de cada modalidade e, sobretudo, diferenciá-las. Só assim se poderá tentar qualificar e quantificar cada uma das actividades de montanha e seus impactes para, depois, decidir sobre as medidas a implementar. Estas actividades carecem de uma gestão adequada e não de proibições avulsas! É certo que será mais fácil proibir do que gerir adequadamente mas esse caminho é manifestamente desadequado e põe em causa direitos fundamentais dos praticantes… Seria interessante diferenciar as tipologias das actividades, referenciar os locais onde se praticam, quantificar o número de praticantes e monitorizar os seus impactes. E, só depois, decidir em conformidade.

(Pedro Cuiça: adaptado de Guia de Montanha – Manual Técnico de Montanhismo; FCMP, 2010)


© DR