O «estilo
precipício» nas edificações dos carmelitas descalços consistia na recreação
e preservação da inacessibilidade e do desconforto, e, muitas vezes, coincidia
com a natureza e simbologia da montanha como lugar de iniciação e de epifania
místicas. Traduzia-se pela exaltação do obstáculo e da capacidade de o
superar. Conseguir encontrar-se todos os dias com a morte e dar-lhe um aperto
de mão, oferecer-lhe uma cadeira para ela descansar, pedindo-lhe, porém, que se
atrasasse um pouco do seu intento não para fugir à morte, mas para sofrer um
pouco mais, e tudo isto sem perder a bondade perante os que sofrem, ainda que
sofressem apenas por não conseguirem criar uma «flor inverosímil», como o monge
do Buçaco que durante sessenta anos tentou criar uma rosa azul.
Susana Neves (2022, p. 64)
Um grupo de monges
carmelitas descalços portugueses fundou, em 1628, um deserto ou eremitério, no
extremo noroeste da serra do Buçaco, inspirados pelo exemplo de Santa Teresa de
Ávila e San Juan de la Cruz: reformadores da Ordem de Nossa Senhora do Monte
Carmelo.
O deserto do Buçaco,
enquanto «local de recolhimento, oração e ascese», favorável à vivência
do silêncio, coexistiu com a presença do sagrado, expressa de forma inequívoca no frondoso bosque
resultante dos trabalhos de arborização levados a cabo por frades e monges. A
autora, Susana Neves, calcorreou a mata inúmeras vezes «no modo e no tempo
de um carmelita descalço, ou seja, a pé (embora descarmeliticamente tenha
andado sempre bem calçada) e sem ninguém por perto» (NEVES 2022, p. 12). O «estilo precipício» foi traduzido não só nas edificações dos carmelitas como também, e sobretudo, na construção do templo interior de cada um dos monges. Um livro a não perder.
Título: Ama
o Precipício – Viagem à Mata Nacional do Buçaco
Autora: Susana
Neves
Edição: Fundação
Francisco Manuel dos Santos (Maio 2022)
ISBN: 978-989-9064-59-1
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