Se quiser saber para que universidade deve ir, vá para a “natureza livre” (free nature). E a melhor situação para aprender e compreender é o silêncio. Nove em cada dez noruegueses que gostam de friluftsliv (vida ao ar livre) estão aí pelo silêncio. E o que é o silêncio? Simplesmente a forma da “natureza livre” falar connosco, se mantivermos o silêncio, se estivermos silenciosos...
terça-feira, 28 de março de 2023
segunda-feira, 27 de março de 2023
INSPIRADOR(es)...
© Nicholas Roerich |
Arne Naess, Nils Faarlund e Sigmund Kvaløy Setreng promoveram, em 1971,
uma "anti-expedição" ao Nepal, em parte com o objetivo de ajudar os sherpas
locais na sua campanha para proteger a montanha sagrada Tseringma dos
turistas-alpinistas (BRENNAN, 2019), algo
perfeitamente pioneiro para a época. Foi durante esta viagem que Naess teve a percepção
(o insight) que lhe permitiu completar o esboço daquilo que viria a
denominar “ecologia profunda”. Kvaløy formulou uma proposta ecopolítica
de uma 'sociedade de necessidades de vida', em oposição à dominante 'sociedade
de crescimento industrial', e Faarlund foi inspirado a continuar o seu trabalho
com base na friluftsliv (‘vida ao ar livre’), enquanto abordagem de educação
ao ar livre (outdoor education) que possibilita forjar o carácter,
mediante longos períodos de exposição a atividades na natureza selvagem (wilderness),
deliberadamente através de abordagens de baixa tecnologia e amigas do ambiente
(ibid.).
Arne Naess |
Nils Faarlund |
Sigmund Kvaløy Setreng |
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRENNAN, Andrew (2019). Deep
Ecology in International Encyclopedia of Ethics. New
York: John Willey & Sons Ltd.. https://www.researchgate.net/publication/313988776_Deep_Ecology
domingo, 26 de março de 2023
Lux
Num dos dias dei por mim a andar, a progredir como um animal, como que a pairar, sobre um manto de ‘ervalhal’ coberto de um intenso pontilhado de flores de pétalas brancas e centro amarelo, a contrastar com o verde, e a tridimensionalidade dos apetitosos funchos, num cenário pleno de brilho...
PC ©
Planalto de Sto. António (26/Mar. 2012) |
sábado, 25 de março de 2023
Floresta(l)
© PC |
Como a escritora Jay Griffiths afirmou: «Às crianças (…) é negado o remédio da alma que sempre tratou o seu ânimo: a floresta».
(p. 68)
[U]ma mulher de idade avançada estava deprimida com o envelhecimento e a recuperação do tratamento do cancro. A caminhada levou-a até um conjunto de árvores. «Ela ficou fascinada com a ideia de que quando olhamos para as árvores, damos muito mais valor às árvores velhas do que às jovens. Para ela, foi um olhar espantoso sobre a sua vida; ninguém se preocupa com cortar uma árvore jovem, mas não vamos arrancar um abeto com seiscentos anos. Para ela – e para mim, já agora – foi muito importante para dar um valor diferente à idade.»
(p. 124)
Menos conhecidos são os seus escritos sobre a relação humana com o resto da natureza e as suas próprias origens. [O psiquiatra e psicanalista Carl Gustav] Jung defendia que passar tempo na natureza é fundamental para uma psique saudável. Numa carta de 1947 dirigida a um colega, afirmava: «Tens de continuar à procura de ti mesmo, e irás encontrar-te outra vez nas coisas simples e esquecidas. Porque não te embrenhas na floresta durante algum tempo, literalmente? Por vezes, uma árvore diz-nos mais do que podemos ler nos livros. Ele também disse que as pessoas de meia-idade precisam mais de uma «experiência do numinoso» do que os jovens, como ajuda para atravessarem a segunda fase da vida. A palavra «numinoso» deriva do latim numen. Que significa a vontade divina, influência divina ou poder dos deuses, ou uma divindade. Jung referia-se a uma experiência com uma qualidade espiritual ou sobrenatural.
(pp. 182-183)
LIVRO
JONES, Lucy. 2023. Perder o paraíso - As nossas mentes precisam da natureza. Lisboa: Temas & Debates/Círculo de Leitores
sexta-feira, 24 de março de 2023
Re-ligação...
Pedro Cuiça © Saldanha (Lisboa, 20/ Jul. 2016) |
A minha paciente Sophie,
uma estudante universitária da Coreia do Sul, veio ter comigo à procura de
ajuda para a depressão e ansiedade. Entre muitos temas que abordámos, disse-me
que passava grande parte do seu dia ligada a um dispositivo eletrónico
qualquer: no Instagram, You Tube, a ouvir podcasts ou
listas de reprodução de músicas.
Na consulta que tive com
ela, sugeri que experimentasse fazer o caminho a pé até às aulas sem ouvir
nada, permitindo que os seus pensamentos viessem à superfície.
Fitou-me incrédula e
receosa.
- Por que é que havia de
fazer isso? – perguntou, boquiaberta.
- Bem – arrisquei dizer
–, é uma forma de se familiarizar consigo mesma, de permitir que a sua vivência
decorra sem que tente controlar ou fugir dela. Toda essa distração com
dispositivos eletrónicos pode estar a contribuir para a sua depressão e
ansiedade. É muito desgastante estar sempre a evitar estar consigo mesma.
Pergunto-me se experienciar-se a si mesma de um modo diferente poderá dar
acesso a novos pensamentos e
sentimentos, bem como ajudá-la a sentir-se mais ligada a si mesma, aos outros e
ao mundo.
A Sophie pensou nisso
durante um instante.
- Mas é tão aborrecido –
declarou.
- Sim, é verdade –
retorqui. – O tédio não é só aborrecido, pode ser assustador. Força-nos a
enfrentar questões mais importantes relativas ao significado e propósito da vida.
Mas o tédio também é uma oportunidade para a descoberta e a invenção. Cria o
espaço necessário para que se forme um novo pensamento, sem o qual estamos
constantemente a reagir a estímulos à nossa volta, em vez de nos permitirmos
fazer parte da nossa experiência de vida.
Na semana seguinte, a
Sophie experimentou caminhar até às aulas sem estar ligada a nada.
- De início foi difícil –
comentou. – Mas depois habituei-me e em
certa medida até gostei. Comecei a reparar nas árvores.
(pp. 53-54)
LIVRO
LEMBKE, Anna. 2022. Dopaminados.
Lisboa: Penguin Random House Grupo Editorial Portugal
quinta-feira, 23 de março de 2023
Tornar presente
© PC |
Holz [madeira, lenha] é um nome antigo para Wald [floresta]. Na floresta [Holz] há caminhos que, o mais das vezes
sinuosos, terminam perdendo-se, subitamente, no não-trilhado.
Chamam-se caminhos de
floresta [Holzwege].
Cada um segue separado,
mas na mesma floresta [Wald]. Parece muitas vezes, que um é igual ao outro.
Porém, apenas parece ser
assim.
Lenhadores e
guardas-florestais conhecem os caminhos. Sabem o que significa estar metido num
caminho de floresta.
(p. 3)
“Ciência da Experiência da
Consciência” reza o título que Hegel coloca no frontispício da obra aquando da
publicação da Fenomenologia do Espírito no ano de 1807. A palavra experiência
encontra-se no meio, em letras gordas, entre duas outras palavras. “A
experiência” designa o que “a fenomenologia” é. O que pensa Hegel, ao utilizar
a palavra “experiência”, realçando-a deste modo?
(p. 141)
O sujeito essência-se na
referência de representação do objecto. Mas, enquanto esta referência, o
sujeito é já a referência a si representativa. O representar [das Vorstellen] presentifica [präsentiert] o objecto, na medida em que o representifica [repräsentiert] ao sujeito, em cuja representificação [Repräsentation] o próprio sujeito se presentifica enquanto tal. A presentificação
[Präsentation] é a principal característica do saber, no sentido da
autoconsciência do sujeito. A presentificação é um modo essencial de presença [Präsenz] (παρονσία). Enquanto esta, quer dizer, enquanto o-estar-presente,
é o ser do ente do género do sujeito. A certeza de si, enquanto o condicionado
em si, é a entidade (ούσία) do sujeito. O ser subjectivo do sujeito,
quer dizer, da referência sujeito-objecto, é a subjectividade [Subjektität] do sujeito. A subjectividade consiste no saber
incondicionado de si. A essência do sujeito é constituída no modo do saber de
si, de tal forma que o sujeito, para ser enquanto sujeito, se torna constituído
apenas com essa constituição, apenas com este saber. A subjectividade do
sujeito, enquanto certeza absoluta de si, é “a ciência”. O ente (τό δν) é enquanto ente (ή δν), na medida em que o é no modo de saber
incondicionado de si do saber. Por isso, a apresentação que representa este
ente enquanto ente, a filosofia, é ela mesma a ciência.
(pp. 159-160)
© PC |
VER:
- Presente(AR)
LIVRO
HEIDEGGER, Martin. 2012. Caminhos de
Floresta. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed..
quarta-feira, 22 de março de 2023
Illusion(s)...
© PC |
For the last few
centuries, hunting has been the exclusive right of the nobility, a privilege not
formally abolished in Germany until the revolutions of 1848. Since then the
right has been linked to the land, and anyone who owns a small plot of forest
or a field may also shot deer on it. While this is still the case in Sweden,
for exemple, in the German-speaking world a new law was supposed to replace
this right just two years after 1848. According to the revised law, the right to
hunt applied only to contiguous areas of land of over 0.75 square quilometres.
But which smallholders or individual farmers owned that much land at the time?
All smallholdings were forcibly merged into cooperatives, which leased out
hunting rights back then as they do now. And who could afford the expensive
lease? Rich nobles, who returned through the back door as the only ones with
the right to hunt, having momentarily lost the privilegie in the revolutions.
In principle, there has been very little change to this status quo.
(p. 61)
This brings us back to
the basic argument asserted by the hunting lobby: hunting is an old tradition.
That may be true for a tiny fraction of the population, but it has never been
for the overwhelming majority. For thousands of years, our traditional method
of feeding ourselves has been farming, not shooting woodland animals. Many of
the customs of German huntsmanship, whit its ornate and glorifying language
(blood, for exemple, is called ‘sweat’), have only been widespread since the
Third Reich, when the Reich Master of the Hunt, Hermann Göring, decreed every hunter had to follow complicated rites
and horn-blowing rituals. (…) And nowadays? Unfortunately, not much has changed
since the Nazi era. The laws and regulations still reflect the old ideas about
breeding, focussed mainly on winning something impressive with which to
decorate your living-room wall. Each to his own, you might say; after all, it´s
probably not the strangest hobby out there. Meanwhile, the number of large
herbivores has increased to levels that are, as already mentioned, up to fifty
times higher than natural population densities. The impact of this can be seen
in our forests, which are being ravished, especially the young saplings of native
deciduous trees. The buds of cherries, oaks, beech or ash trees all get
devoured, along with seeds such as beechnuts or acorns; everything disappears
in gigantic quantities into the hungry stomchs of wild game animals. As a
result, fewer and fewer deciduous trees are growing, and many forest owners can
only keep the forest going by planting spruce and pine. Deer don´t like to
graze on them, because of the bitter taste from the resin and essential oils,
not to mention the prickly needles. But with the help of these tree species,
foresters can at least build up their tree stocks and create the illusion of
a forest.
(PP. 62-63)
VER:
LIVRO
WOHLLBEN, Peter. 2019. Walks
in the Wild – A Guide Through The Forest. London: Rider.
terça-feira, 21 de março de 2023
Porque hoje é dia...
«Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...»
~ Alberto Caeiro in O Guardador de Rebanhos
As flores florirão
Pedro Cuiça © Jardim Gulbenkian (20/03/2023) |
O Equinócio da Primavera
ocorreu ontem, às 21:24, coincidente com a entrada do Sol em Carneiro. Assim indica
O Verdadeiro Almanaque Borda d’Água que, este ano, cumpre a bonita idade de 94 Primaveras.
A partir de hoje, os dias tornar-se-ão mais longos e as noites mais curtas. O
aumento de horas de luminosidade solar permitirá jornadas de campo cada vez mais
dilatadas e temperaturas mais aprazíveis, num convite irrecusável à celebração da
fertilidade primaveril.
A manifestação suprema da
vida está expressa, mais uma vez, de forma impressionante, na natureza campestre
e… até na citadina, como tão bem pudemos constatar, ontem, num aprazível
passeio pedestre no Jardim Gulbenkian. A Roda do Ano continua no seu movimento “perpétuo”.
Como disse Alberto Caeiro, nos seus Poemas
Inconjuntos, «[a]s flores florirão da mesma maneira [e] as árvores não serão menos verdes que na Primavera
passada». Assim seja.
Pedro Cuiça © Jardim Gulbenkian (20/03/2023) |
Pedro Cuiça © Jardim Gulbenkian (20/03/2023) |
Pedro Cuiça © Jardim Gulbenkian (20/03/2023) |
Pedro Cuiça © Jardim Gulbenkian (20/03/2023) |
Pedro Cuiça © Jardim Gulbenkian (20/03/2023) |
domingo, 19 de março de 2023
Passear com Amig@s
Pedro Cuiça © Serra de Sintra (18/03/2023) |
“Se alguém tiver o hábito de passear nos bosques metade dos seus dias, porque gosta deles, corre logo o risco de ser considerado como um vagabundo; mas, se passar todos os seus dias como especulador, arrasando os bosques e tornando a terra baldia antes do seu tempo, será louvado como um cidadão empreendedor e habilidoso”
~ Henry David Thoreau, Uma Vida sem Princípios, p.30.
Quem caminha por gosto também vê a destruição a que a floresta tem sido e é sujeita reiterada e continuadamente. Mas também vislumbra a sua resiliência e beleza... E passear entre amigos não-humanos (ou mais do que humanos) é sempre estimulante. E com uma amiga, neste caso, ainda é melhor...
|
sexta-feira, 17 de março de 2023
In praise of paths
© Pedro Cuiça |
HUMANS OF THE Stone Age were
masters at orienting themselves in unfamiliar landscapes, reading the terrain,
and finding their way forward. Their chosen path may not have been the shortest
distance, nor the most expedient, but it was the path of least resistance.
This trait characterized paths back then, and it continues to characterize them
now. A route that follows the path of least resistance through uncharted
territory is intuitively understood because it taps into an instinct that is
deeply ingrained in all of us.
Paths formed because
those who walked left behind footprints in the dirt as they traveled. Others
who followed left new footprints on top of the old ones, ensuring the original
tracks were not wiped out by natural phenomena before someone else passed the
same way.
The path originated for
itself. It was not a scenic route through landscape designed as a promenade or
showcase for breathtaking vistas. It was not planned. There were no preliminary reports,
no feasibility studies, no prior thought given to grading or paving.
The path is an effect,
not the cause. It is organic and biodegradable, conforms to the landscape, is a
part of the very natural world it passes through. It is temporary; its use and
its existence are interdependent. It is there because someone uses it and it is
used because it is there. To maintain a path is to walk it.
[EKELUND, 2020: 26]
© Pedro Cuiça |
LIVRO
EKELUND, Torbjørn. 2020. In Praise of Paths – Walking through time and
nature. Vancouver: Greystone Books.
terça-feira, 14 de março de 2023
Pedestrious Tour
Desejava adquirir a simplicidade, os
sentimentos nativos e as virtudes da vida selvagem; libertar-me dos hábitos
volúveis, das desvantagens e das imperfeições da civilização;… e descobrir, por
entre a solidão e a grandeza do oeste selvagem, visões mais correctas da
natureza humana e dos verdadeiros interesses do homem. A estação das neves era
a preferida, para poder experimentar o prazer do sofrimento, e a novidade do
perigo.
Estwick Evans, A Pedestrian Tour, of Four Thousand Miles, Through the Western States and Territories, During the Winter and Spring of 1818 in KRAKAUER (2010, p. 172)
Referências Bibliográficas
EVANS, Estwick. 1819. A Pedestrian Tour, of Four Thousand Miles, Through the Western States and Territories, During the Winter and Spring of 1818
KRAKAUER,
Jon. 2010. O Lado Selvagem. Barcarena: Editorial Presença, 7ª ed.
Primeiro passo
Pedro Cuiça © Parque dos Poetas - Oeiras (Fevereiro 2023) |
«Para quem faz do sonho a vida, e da cultura em estufa das suas sensações uma religião e uma política, para esse primeiro passo, o que acusa na alma que ele deu o primeiro passo, é o sentir as coisas mínimas extraordinária — e desmedidamente. Este é o primeiro passo, e o passo simplesmente primeiro não é mais do que isto.»
Bernardo Soares (Fernando Pessoa)
segunda-feira, 13 de março de 2023
Caminhos
Fernando Pessoa |
O
movimento cognitivo e a procura do poeta [Fernando
Pessoa e seus heterónimos]
mostra-se efectuada por outros caminhos de conhecimento e visando uma
outra finalidade, não a científica e pragmática; numa posição à qual este
pensamento nacional é habitualmente estranho; pois que ele procura um outro
mundo para além do real sensível, ultrapassando este pensamento ao qual um
historiador brasileiro, referindo-se aos escritores da época dos
descobrimentos, chamou a «cautelosa e pedestre razão lusitana» (Sérgio
Buarque da Holanda, Visão do Paraíso.)
(COSTA 2012, p. 21)
Estes
múltiplos caminhos palmilhados por Pessoa pelos mundos do esoterismo,
ajudam-nos a compreender melhor o ser multifacetado que Pessoa sempre foi: o
verdadeiro caminho da serpente que este poeta-neófito seguiu foi
não só o da quantidade e diversidade de personalidades e de ismos literários
que criou, para em nenhum deles se fixar inteiramente, mas também o caminho labiríntico
de símbolos, analogias e das diversas doutrinas interiores que o poeta trilhou espiritualmente.
Tal como a serpente, também o poeta seguiu o caminho que passa por todos e
não é nenhum. Também o poeta poderia fazer suas as palavras de António
Machado e com ele dizer: caminhante não há caminho: o caminho faz-se
caminhando!
(Paula
Cristina Costa in ANES 2004, p. 16)
Na
verdade o combate é aqui, mas não é nosso; não é connosco, somos nós. Não somos
actores de um drama: somos o próprio drama – a antestreia, os gestos, os
cenários. Nada se passa connosco: nós, é que somos o que se passa.
(Fernando
Pessoa in GANDRA 2015, p. 204)
A
senda que propomos é mais streita ainda que aquela que o Cristo
propunha aos que desejavam segui-lo. Por uma ironia natural das cousas, nós
ainda que em um outro sentido, podemos dizer aos homens da nossa época que
aqueles que quiserem seguir-nos têm de deixar o mundo. Mas é o mundo moderno,
errado como está, que devem abandonar; ele tem seduções, todas as seduções do
caminho trilhado, que por trilhado é conhecido, por conhecido fácil, e por
fácil agradável. Nós defendemos a civilização contra a civilização hodierna;
Apolo contra o Cristo;
(PESSOA
2013, p. 96)
(…)
é exactamente pela técnica, mas pela técnica tomada como um jogo geral e não
como um meio individual de ganhar dinheiro ou poder, que pode o homem abrir
o seu caminho de regresso ao Paraíso: mas, para tornar a técnica como um
jogo, é preciso que seja anteriormente criança: a conversão religiosa ao Menino
Jesus deve preceder a revolução social. O contrário seria o materialismo, coisa
de padres sem religião, como dizia Alberto Caeiro; o que também se poderia afirmar da religião que avassalou Portugal a partir do século XVI.
(AGOSTINHO
DA SILVA1996, p. 89)
Agostinho da Silva |
Gostaria que o Povo, mesmo no dia em que
a abundância se assegurasse, continuasse voluntariamente pobre, para bem do
espírito e do corpo, e para que cessasse, a seu exemplo, a pilhagem do mundo, o
desrespeito pela natureza, a corrida para a inabitabilidade da Terra, a ambição
do supérfluo e a publicidade correlativa, que é sem dúvida um dos maiores
factores de corrupção individual e social.
(Agostinho da Silva in BORGES 1988, pp. 605-606)
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Agostinho da Silva, PROPOSIÇÃO, 34, (1974),
in Paulo BORGES (org.), Agostinho da Silva – Dispersos. Instituto
de Cultura e Língua Portuguesa, Ministério da Educação, 1988.
ANES,
Manuel. 2004. Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. Lisboa: Ésquilo,
2ª ed..
COSTA,
Dalila L. Pereira da. 2012. O Esoterismo de Fernando Pessoa. Baguim do
Monte: Lello Editores, 5ª ed..
GANDRA,
Manuel J.. 2015. Fernando Pessoa – Hermetismo e Iniciação. Sintra:
Zéfiro.
PESSOA,
Fernando. 2013. O Regresso dos Deuses e outros escritos de António Mora.
Lisboa: Assírio & Alvim.
SILVA,
Agostinho da. 1996. Um Fernando Pessoa. Lisboa: Guimarães Editores, 3ª ed..
sexta-feira, 10 de março de 2023
Ao Deus dará
«Não sei o que estou aqui a fazer, mas obrigadinho pelo almoço.» [9/03/2023]
Que está sucedendo?!... O
contexto influi no comportamento, sendo preciso adoptar uma especial atenção
situacional e, por vezes, controlar os ímpetos primários, emocionais, dando
primazia a secundárias reacções cognitivas. Aconselhará a prudência que sejamos
minuciosos e rigorosos, tentando apercebermo-nos de eventuais perigos e agindo
em conformidade. Mas há também circunstâncias na vida em que nos apercebemos de
que a atitude apropriada será tão somente entregarmo-nos nas mãos da
Providência. Melhor seria dizer nos pés da Providência, tendo em conta que se
trata de passar a andar ao Deus dará. O entusiasmo é a resultante “motivação”
suprema que acompanha, ilumina e estimula essa constatação ou surge dessa
constatação. Entusiasmo ou, dito de outra forma, a capacidade de
maravilhamento, de admiração, de espanto, de prodigioso pasmo, de portentoso
assombro… Sim, entusiasmo: do grego antigo in Theos, literalmente “em
Deus” e do latim enthousiasmus, que significa “ter um Deus interior” ou
“estar possuído por Deus”; como que um estado de excitação, de euforia, um (re)despertar
para a vida. Para uma nova vida. A libertação de contingências sob a forma do
inesperado… Encantamento?
Andar ao Deus dará, como
uma espécie de vagabundagem ou vadiagem. Vadiar, vadear, vá de ar! Um novo
andar. Andar bem. Inspirados. Assim nos apercebemos, sobremaneira, da importância da arte
de andar, de bem andar, abordada por tantos e tão diversos autores, em diferentes épocas. Um andar profundo, imersivo. Uma imersão no tecido cósmico, ao estilo
de Álvaro de Campos (o heterónimo de Fernando Pessoa) quando este afirmou: «e o meu desejo porque é forte entra na
substância do mundo».
«Se queres o Arco Iris
tens de aguentar a chuva», alguém disse. E se transformarmos a chuva numa
festa, como as crianças? E saltarmos alegremente nas poças de água? Andar à
chuva também pode ser, e é tantas vezes, agradável! Na perspectiva estará o
segredo do andamento. E no final estará o Arco Iris se o houver, e se não
houver não há.
Quinta da Pereira (Vila Flor)
10/03/2023