terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Ainda à Ordem

«Não sou do ortodoxo nem do heterodoxo; cada um deles só exprime metade da vida, sou do paradoxo que a contém no total.»
Agostinho da Silva in Pensamento à Solta (1999: 145)


«O mais interessante acerca do ritmo é o encontro com ele. Diante do crepitar do fogo, enquanto o torso do azinho expele a energia recolhida do sol e propaga fragâncias em ondas de calor, é o fenómeno polirrítmico que se activa também em nós; entre o indefinido e infinito, entre microcósmico e macrocósmico, ritma-se aí o exponencial imaginante dilatado pelo bailado das chamas. Mais do que vivência, é o ritmo convivência. E é sobretudo quando o homem está ciente do ritmo cósmico que o atravessa; então é que o ritmo pode ser criador: então o caminho, o caminhar e o caminheiro, convergem, porventura, em extremoso ritmo novo.
Se uma singular dinâmica intuitiva vivifica a noção de ritmo, não é só porque seja ele multidimensional arquétipo, estruturante e renovador, ou paradigma polivalente para as ciências e as artes do movimento, mas porque o ritmo é criador. O ritmo futuriza o passado num presente novo. A visita ao templo é um acontecimento rítmico e tão mais completo quanto culmine na experiência excelsa do puro acto da imobilidade. Eis, sumariamente, o que distingue, na crista da onda do tempo e do espaço, a filosofia do ritmo portuguesa das demais. Português é também o ritmo concordante, conciliador de conceito e imagem, absoluto e relativo, operador da síntese activa na atenção singular; enfim, para quem o paradoxal não é estrangeiro nem língua morta a resoluta contradição. Digamo-lo de novo: português é o ritmo da concórdia.» [CUNHA, 2010: 11-12]

Pedro Cuiça © d'o ritmo da Queimada (Serra dos Candeeiros, 2009)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, Rodrigo Sobral. Filosofia do Ritmo Portuguesa. Sintra: Zéfiro, 2010, pp. 124. ISBN 978-989-677-041-9
SILVA, Agostinho da. Textos e Ensaios Filosóficos II. Lisboa: Âncora Editora, 1999, pp. 384. ISBN 978-972-780-020-9

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