terça-feira, 5 de maio de 2015

Tudo em Monte...

«Subir e, tão ou mais importante, descer uma montanha constitui muitas vezes uma experiência transcendente pois todas as montanhas são sagradas. São locais mágicos onde é permitido ao Homem sentir, sem rodeios, a verdade de estar vivo ou a dura realidade de enfrentar a morte. O montanhismo foi e continua a ser um grande jogo mas para jogar é sensato conhecer e dominar as regras do jogo.(Pit Schubert in CUIÇA, 2010)» Foi sobre as formas de jogar esse grande jogo que fui hoje palestrar na Escola Superior de Desporto de Rio Maior (ESDRM), no âmbito da cadeira de Ética e Deontologia Profissional do terceiro ano da licenciatura em Desporto de Natureza e Turismo Ativo.
Numa época na qual se tornou lugar-comum falar sobre crise de valores não deixa de ser curioso abordar a “Ética e Deontologia em Desportos de Montanha”, ademais em actividades que sempre foram atreitas a não possuir regras escritas: alpinismo, montanhismo e/ou escalada (clássica ou tradicional). No entanto, afirmar o estatuto ético ou o valor intrínseco das montanhas é tão pertinente, hoje, quanto será o facto de enaltecer a “conquista do inútil”. Não basta subir montanhas, a forma como se processa essa ascensão manifesta-se de primordial importância à luz da ética normativa… A praxis – o (como) fazer – das actividades de ar livre, em geral, e das actividades de montanha, em particular, não pode estar alheada da dimensão ambiental e dos conceitos éticos daí decorrentes: sencientismo, biocentrismo, ecocentrismo, etc.. Tal como não será expectável numa ética aplicada ignorar o conceito de jogo justo (fair-play), independentemente de pretensos dilemas éticos (e.g. risco versus segurança). Integrada no seio dos desportos ditos de “risco”, a prática de montanhismo e/ou de escalada carece de uma reflexão face à forma como a sociedade contemporânea revela uma fascinação pelo risco e simultaneamente uma obsessão pela segurança (LE BRETON, 2000). Daí decorre, aliás, a confusão entre aventura e pseudo-aventura tão comum nos dias que correm… Enfim, nesta como noutras “matérias” não será suficiente seguir o ditado “tudo em monte e fé em Deus”! Ou será? Tudo depende do significado que dermos às palavras e da forma como as consubstanciemos na prática concreta de subir montanhas, na mais íntima convivialidade com a verdade pura e dura dos vastos espaços verticais e da grandiosa beleza do mundo mineral.

DRÓGuia de Montanha (2010)

Referências bibliográficas
BRETON, David. Passions du Risque. Paris : Éditions Métailié, 2000. ISBN 2-86424-334-2
CUIÇA, Pedro. Guia de Montanha – Manual Técnico de Montanhismo I. Lisboa: Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal/Campo Base, 2010. ISBN 978-989-96647-1-5

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