segunda-feira, 21 de maio de 2018

O Pilar


Pedro Cuiça © Terra Chã (Alcobertas/PNSAC, 19 de Maio de 2018)

«Na verdade, tudo se conjuga para se poder afirmar que o mundo, a realidade empírica, a representação que dela fazemos na nossa consciência, é largamente uma invenção do nosso cérebro, mas é uma invenção coerente e útil, pois torna possível a vida do organismo no seu mundo próprio, mundo que o animal percepciona criando imagens que diferem de espécie para espécie, pois cada uma tem o seu ambiente, o seu nicho particular, e portanto a imagem da realidade que lhe é própria. Uma série considerável de observações e de experiências dá um forte apoio à conclusão fundamental de que o homem reconstrói, dá forma à sua «realidade» com as informações recebidas pelos seus sentidos, e com o seu cérebro e com a sua linguagem fazendo a «criação mental de mundos possíveis».
A evolução dos organismos é basicamente um processo de acumulação de informações, nos genes e na ontogenia («programa hereditário»), devido fundamentalmente ao trabalho da selecção natural, repetindo-se a cada geração (ou série de gerações) a aquisição realizada. É a memória genética do passado de opções determinadas pela selecção. Ora, este princípio tanto se aplica às estruturas e formas do organismo como ao seu comportamento. O organismo transforma impressões recebidas do ambiente em partes da sua interioridade. Interactua com o ambiente, havendo no animal como que uma tendência para interiorizar o mundo, quer pelo alimento que ingere1 quer pela representação que faz desse mesmo mundo. Houve uma propensão ao enriquecimento interior, à complicação em profundidade, o que exigiu, como compensação, uma superfície protectora-receptora muito elaborada, particularmente nos grupos mais evolucionados.
A evolução do sistema nervoso e a sua complexificação permitiram respostas cada vez mais elaboradas e seleccionadas da parte do organismo. Tudo entrou em diferenciação a partir da sensibilidade básica, nomeadamente as células nervosas, os receptores e condutores de estímulos e a complicação em centros nervosos, etc. Com os comportamentos inatos surgiram também formas de flexibilidade, de maleabilidade do comportamento. Com a complexidade dos sistemas nervosos e com as memórias que eles possuem, quer dizer, com a capacidade de acumular informações e de o animal se recordar delas, desenvolveram-se, naturalmente, formas elaboradas de aprendizagem individual criadora, nomeadamente com os reflexos condicionados. Um dos passos decisivos foi a «representação central do espaço», quer dizer, a capacidade de «reflectir de olhos fechados sobre o que a memória contém», ou seja, a aptidão de lembrar o que está registado na memória e de ponderar outras alternativas. Este passo fundamental está provavelmente na origem da autoconsciência. Mesmo o desenvolvimento das noções de relações temporais fez-se provavelmente em associação ou na dependência da capacidade de representação do espaço. E com esta aptidão nasceu a possibilidade de fazer experiências mentais, aventurar hipóteses de comportamento em cenários de risco, em determinadas situações ecológicas (reais ou imaginárias), com a vantagem de não se arriscar a pele, porque quem se expõe e morre é, por assim dizer, a hipótese, substituindo na aventura aquele que a fez. Ora, esta aquisição é provavelmente um dos pilares fundamentais da origem e evolução do espírito humano.»
[SACARRÃO, 1991: 248-250]

Por isso, e muito mais, vamos mas é escalar!...

Pedro Cuiça © Terra Chã (Alcobertas/PNSAC, 19 de Maio de 2018)

NOTA Pedestris
1- Interiorizar o mundo pelo alimento que ingere ou através do ar que inspira, mas que também expira, entre muitas outras interacções entre o indivíduo (?) e o meio que (supostamente) o rodeia, de modo que se torna virtualmente impossível delimitar, ou definir onde acaba e começa, a fronteira entre-ser indivíduo e ambiente.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SACARRÃO, Germano da Fonseca. Ecologia e Biologia do Ambiente – II As Interdependências e o Homem. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1991, vol. II, pp. 322.

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