segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Um novo Outono

«A prática de montanhismo em Portugal remonta (…) aos finais do século XIX inícios do século XX e está associada a Gomes Teixeira, Emídio Navarro, Sousa Martins, entre outros pioneiros. O papel desempenhado pela Expedição Scientifica á Serra da Estrella, de 1881, foi marcante para a implementação e desenvolvimento da actividade. O Cântaro Magro foi escalado, durante essa expedição organizada pela Sociedade Geográfica de Lisboa, por Alfredo Serrano e outros companheiros. Aliás, a montanha já tinha sido escalada anteriormente. A obra Quatro Dias na Serra da Estrella de Emídio Navarro, editada em 1884, surge como resultado imediato da forte dinâmica imposta pela dita expedição e constitui um excelente exemplo do espírito que se vivia nos alvores do montanhismo em Portugal.
(…) Em 1912 já se falava, no livro Aos Montes Hermínios – Impressões de uma viagem de exploração desportiva na Serra da Estrella organizada pela revista «Tiro e Sport», de Duarte Rodrigues, na criação do “Club Alpino Portuguez”.»
CUIÇA, 2010: 37-38

«O Cântaro Magro dá, pela parte interna d’esse semi-circulo um córte perpendicular de 300 metros. Pela Rua dos Mercadores, uma abertura plana, que assim se chama, porque parece ter alinhados de um e outro lado grandes fardos de mercadorias. D’essa rua ao vertice do Cântaro Magro vão ainda muitas dezenas de metros. É por ahi que se realisa a ascensão.»
Emygdio Navarro in D. Rodrigues (1912)

Pedro Cuiça © Torre - Serra da Estrela (Setembro 2017)

O Corredor dos Mercadores foi por onde empreendemos uma difícil e morosa descida, devido à densa vegetação, por entre ressaltos e inúmeros “buracos” do terreno, até ao Covão da Ametade, de onde tínhamos partido. Essa rua que outrora foi caminho corriqueiro, de ascensão e descida, encontra-se hoje ao abandono!…
Por alturas do Equinócio outonal de 2017 regressámos à serra, dita da Estrela. Do Covão da Ametade subimos ao Covão Cimeiro e daí ascendemos até ao colo fronteiro à designada “curva do Cântaro”, para pouco depois atingirmos o cimo do Cântaro Magro. A descida de regresso ao ponto de partida começou por um rapel aéreo e depois, tal como referimos, foi pelos Mercadores abaixo.
Da magnífica experiência ficaram-nos, invariavelmente gravadas (como noutras ocasiões) as marcas intensas dessas paisagens luminosas de montanha, da frescura do ar, do salutar esforço… A dúvida é se tal foi real ou mera aparência. Virtual? Talvez tenha sido um sonho, afinal na realidade não seria plausível depararmos com tantos restos de plástico, não é? Acordei ou despertei destas divagações, sob forma de pensamentos etéreos, no Covão da Ametade, face à vertente oriental do Cântaro Magro. O arrebatador sentimento deste sacro local lembrou-me, num familiar eterno retorno, que não é necessariamente numa igreja que nos deparamos com o divino. Foi num domingo de um novo Outono. E assim a roda do ano se cumpriu mais uma vez.

Pedro Cuiça © Covão da Ametade/Cântaro Magro (Setembro 2017)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUIÇA, Pedro. Guia de Montanha – Manual Técnico de Montanhismo I. Lisboa: Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal/Campo Base, 2010, pp. 224. ISBN 978-989-96647-1-5
RODRIGUES, Duarte. Aos Montes Hermínios – Impressões de uma viagem de exploração desportiva na Serra da Estrella organizada pela revista «Tiro e Sport». Lisboa: edição de autor, 1912, pp. 136.


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